Pensaram alguma vez, as minhas queridas leitoras, o que representa para a nossa vida esta simples e fácil realidade que é escrever um postal ou dar um telefonema requisitando uma garrafa de Gazcidla? Recordam-se o que foram as cozinhas de há 25 anos, com a fumarada do carvão ou da lenha espalhando-se pela casa e enegrecendo as paredes, os tachos e as panelas? E quanto tempo nos levava a acender o lume e a aquecer o fogão? Lembram-se, ainda, da era do fogareiro de petróleo, que também enchia as cozinhas de fumo, do seu ruidoso “bufar”, do característico bombar “fu-fu-fu” para conseguir a desejada pressão, das limpezas que frequentemente tinham de fazer-se às “cabeças” por estarem constantemente entupidas? *
Quando a SACOR (petrolífera nacional antepassada da GALP) inaugurou a refinaria de Cabo Ruivo em 1940, estava a cumprir as diretivas do Estado Novo para a auto-suficiência na área dos Petróleos e da Energia. A remodelação e ampliação de 1958 tornou-a apta a comercializar vários combustíveis para aplicação doméstica e industrial. Em sequência, foi criada a sociedade Combustíveis Industriais e Domésticos, CIDLA, que originou a marca de gás doméstico Gazcidla. Em concorrência com a deficiente rede de gás pública, proporcionava à emergente classe média das cidades e subúrbios um módico de conforto que a mobilidade das botijas e uma extensa rede de vendedores permitia. Numa excelente jogada de marketing, sai em março de 1960 o primeiro número da Banquete – Revista Portuguesa de Culinária. A edição do Instituto Culinário CIDLA e o design apurado da agência CIESA esmeravam-se nas artes da cozinha dirigidas às donas de casa e, claro, na publicidade massiva a fogões, esquentadores e à sua fonte de energia, o gás butano.
Durante os primeiros trinta números, até 1963, a revista serve-nos um verdadeiro banquete publicitário ilustrado pelo modernista Piló e por um surpreendente Gabriel Ferrão, traço geometrizado a cumprir o humor cartoonesco daqueles anos, com os estereotipados papéis sociais e de género. O intocável chefe de família, após o dia de labuta, só tem que se sentar à mesa para saborear os deliciosos pitéus que a sua senhora confecionou amorosamente num fogão Presmalt. Este Ferrão, prolífico ilustrador dos anos quarenta em inumeráveis livrinhos infantis da editora Majora, haveria de continuar a desenhar narizes a régua e esquadro no Jornal do Exército por toda a década de sessenta.
Em 1964, a Gazcidla, através da agência de publicidade Êxito, publica seis cartazes, no formato 49×69 cm, ilustrados por João da Câmara Leme (Beira, Moçambique, 1930-Lisboa, 1983). O trabalho de Leme está nos antípodas das piadas revisteiras de Ferrão. As figurinhas amáveis e púdicas em traço farpado e composições densas, têm impressão luxuosa a quadricromia e prata, bastante apropriada à decoração dos pontos de venda das botijas milagrosas. A elegância gráfica de Câmara Leme acompanha a consagração do Gazcidla como marca amplamente aceite pelos consumidores: em 1964, pelos 25 anos da CIDLA, o gás da chama viva aquecia mais de 300 mil lares portugueses.
* Excerto do editorial da Banquete, de outubro de 1964, pela directora da revista, Maria Emília Cancella de Abreu.
As publicidades da Banquete foram restauradas digitalmente
Fontes
SACOR – Refinaria de Cabo Ruivo, 1956, ed. SACOR
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Gostei muito. Está é a fazer concorrência ao Garfadas, embora eu nunca consiga atingir esta quialidade de imagem. Pode continuar. Parabéns.
Obrigado Jorge Silva.
Não conhecia embora seja contemporâneo (quem diria com70 anos) destes “slogans”…só não os via “nesta forma”.
Tenho, e recomendo, o seu blog como uma referência a consultar e…estudar.
Gostaria de ter o seu contacto para tirar algumas dúvidas…é possível?
Prometo não o chatear!
Abraço.
Vi isto nos “Dias que Voam”, companheiro, PARABÉNS, Excelente trabalho, Abraço.
Tambem sou deste(desse)tempo e estou à procura do ano da comercialização das botijas de gaz
Moura
Os meus sinceros parabens!Está excelente e muito bem organizado!Obrigado.
Carlos P.Pereira