O Almanaque vai à escola. Para aprender as primeiras letras num contraditório ramalhete de manuais, publicado pela Livraria Popular de Francisco Franco já em tempos da Ditadura de Maio mas lustrando os valores da Primeira República. À sequência feliz de títulos, que são também programa pedagógico: Primeiros Passos, Pouco a Pouco, Mais Adiante e Finalmente…, junta-se a inteligente narrativa sequencial das quatro capas, que nos levam a um happy end civilizacional, não faltando numa delas o dedo luso nas indispensáveis caravelas que «deram novos mundos ao mundo». Sem data expressa mas referenciados na Biblioteca Nacional pelo ano de 1932, o conjunto é uma formidável encomenda ilustrada por Alfredo Morais (1872-1971), um verdadeiro faz-tudo da época que só terá sido ultrapassado em quantidade pelo gigantesco Stuart de Carvalhais. Nas 260 ilustrações espalhadas pelos quatro livros, nascidos nas vésperas do Estado Novo (a 5.ª edição do livro da Terceira Classe Mais Adiante já traz enxertados panegíricos sobre o Marechal Carmona e Salazar), Morais aplica o seu exímio talento de naturalista, caprichando nas antiquadas convenções do início do século, desde as cadres incompletas ao sombreado a traço, tributário da gravura em madeira ou talhe doce. Uma década depois dos bonecos modernistas para As Aventuras de Felício e Felizarda ao Pólo Norte que Mily Possoz tinha desenhado para um livro de leitura da 5.ª Classe, o romantismo gráfico continuava a ser a opção das conservadoras elites republicanas, cujos confessados ideais já foram aqui revelados no post sobre a Biblioteca Para a Infância, de Maria O’Neill. Sem as meias tintas e os dramalhões passionais ou bélicos que outras literaturas, também populares, exigiram a Morais, estes manuais escolares revelam um must do seu ágil traço a negro, aqui e ali avivado em combinações de duas ou três cores. A mão certeira de Morais e a indisfarçável doçura das suas crianças colavam bem ao arrebatado amor ao próximo e à exaltação pagã da matéria de que eram feitas a terra e as gentes do Portugal da Primeira República.
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Ouvi a entrevista na rádio, foi muito interessante e foi bom ter escutado a voz dum dos meus blogues favoritos.:)