O papel mata-borrão é um papel fabricado sem cola, capaz de absorver tinta líquida. O seu uso está ligado à pena de escrever, ao tinteiro e à caneta de tinta permanente. Em formatos próximos do A5, o mata-borrão, tornou-se rapidamente um barato e eficaz meio de propaganda. Se a face que absorvia a tinta ganhava facilmente um caráter inestético, a outra estava disponível para servir como objeto decorativo na secretária. O papel mata-borrão servia assim de cartão de visita e anúncio descartável, facilmente substituído. À semelhança do bilhete postal ilustrado, as imagens impressas no mata-borrão tinham uma fixação muito particular em fotografias de paisagem e costumes tradicionais, complementadas com o logótipo da marca. A indústria farmacêutica explorou intensamente este veículo de propaganda, com resultados gráficos muito apreciáveis, sobretudo quando precisava de apresentar novos fármacos que, naturalmente, tinham a concorrência aguerrida de outras marcas. A excelência da comunicação gráfica das farmacêuticas nacionais, como o Instituto Pasteur, a Delta e a Atral, devia-se à contratação de artistas gráficos profissionais que deixaram a sua marca em peças simples como estes mata-borrões, que se podem situar, à falta de datação explícita, entre as décadas de cinquenta e sessenta.
José Cambraia (1920-1993), será recordado sobretudo pelas capas e ilustrações que fez para os livros infantojuvenis da Livraria Clássica Editora, entre os anos de 1941 e 1971, onde se destacam os minúsculos «Contos de Encantar», coleção que atingiu os 102 números. Cambraia foi diretor do departamento de desenho da Atral no tempo em que a empresa estava situada num chalet em Benfica. Os Laboratórios Atral nasceram em 1948 a partir de uma modesta farmácia situada no Bairro de Alcântara e foram percursores do fabrico de antibióticos em Portugal. Por entre embalagens e a revista Temas de Medicina, newsletter da empresa, Cambraia ocupava-se da publicidade dos bem sucedidos fármacos da casa. A estratégia comercial da Atral não dispensava o mata-borrão, brinde barato e útil que os comerciais da casa deixavam nas secretárias dos senhores doutores. Cambraia era exímio na combinação dos recursos gráficos, em metáforas figuradas que sinalizavam a ocorrência das maleitas ou a sua cura pela intervenção do fármaco, complementadas por cartelas de texto, elemento decorativo apreciado pelos designers desde a propaganda nacionalista dos anos 30.
Os vagares e as manchas da tinta permanente foram cedendo gradualmente espaço à esferográfica, invenção do húngaro Lázló Biró, em 1938. Biró venderia a patente do invento em 1945 ao francês Marcel Bich, que apresentará em 1949 a marca comercial BIC. Se o simpático mata-borrão é mais um artefacto perdido na aceleração dos nossos tempos, uma poesia em prosa do jornalista e escritor brasileiro Mário Quintana, falecido em 1994, eterniza-o-o na nossa fraca memória: “O mata-borrão absorve tudo e no fim da vida acaba confundindo as coisas por que passou… o mata borrão parece gente!”
Fontes
https://restosdecoleccao.blogspot.com/2015/07/laboratorios-atral.html
https://pt-pt.facebook.com/pages/category/Artist/José-Cambraia-588764174496545/
o Almanak agradece a Paulo Cambraia
Filed under: José Cambraia, Atral, José Cambraia, Mata-borrão