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histórias da ilustração portuguesa

God Save the Queen

Castelo de São Jorge, Lisboa

Em fevereiro de 1957, a rainha de Inglaterra, a eterna Isabel II, e o seu duque de Edimburgo, desembarcam no Cais das Colunas para uma visita oficial ao velho aliado. A proeza diplomática teve importância crucial para o isolado Estado Novo português, a contas com a reprovação internacional pela sua política colonial e restrições dos direitos civis. A visita incluía um périplo por alguns dos mais emblemáticos símbolos da portugalidade, do Mosteiro da Batalha à vila da Nazaré. A organização do evento contava com publicidade afinada pelo inevitável SNI (Serviço Nacional de Informação) e a brochura do programa da visita real era abrilhantada com extraordinárias xilografias de paisagens, monumentos e costumes, impressas a preto sobre fundo creme.

A encomenda oficial poderia justificar o realismo fotográfico de um Manoel Lapa, de um José Espinho na contemporânea revista Olisipo ou de um consagrado Bernardo Marques, mas é António-Lino (Guimarães, 1914-Lisboa, 1996) que escava na madeira 25 imagens cuja liberdade formal lhes confere particular encanto, sob a direção de arte de outro notável ilustrador da época, Júlio Gil. Lino é um gravador experiente e as suas brutas xilografias de contrastes noturnos e nuvens tempestuosas cortam facilmente o adocicado folclore de castelos, palácios e torres tantas vezes glosados pela propaganda nacionalista. A paixão de António-Lino pela representação de paisagens e monumentos históricos está bem expressa no livro sobre a sua cidade-natal. Afinal, desde os seus tempos de infância, as muralhas do imponente castelo de Guimarães eram a primeira imagem que lhe aparecia, logo de manhã, preenchendo a janela do seu quarto.

Praça do Comércio, Lisboa

Praça do Município, Lisboa

Torre de Belém, Lisboa

Castelo de Porto de Mós

Ribatejo

Vila da Nazaré

As ilustrações foram restauradas digitalmente

Fontes

Portugal, Século XX– Crónica em Imagens, 1950-1960, Joaquim Vieira, Círculo dos Leitores, 2000

Monografia de Guimarães e seu Termo, António-Lino, Instituto Fontes Pereira de Melo, 1984

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Rei morto, rei posto

O talhe-doce é o nome genérico da gravura em metal. O desenho que se pretende imprimir é entalhado diretamente na chapa metálica em cobre, através de incisões feitas por uma ferramenta metálica, o buril. Se a gravura a buril é de natureza essencialmente linear, as sombras e variações tonais podem ser sugeridas mediante traços paralelos, tramas de linhas cruzadas ou texturas formadas por pontos. Juntamente com a gravura em madeira a topo, a gravura a buril distinguiu-se na reprodução de imagens até ao advento da fotomecânica no final de novecentos. Já no século XX, O talhe-doce foi utilizado como impressão artística em selos dos CTT durante as décadas de quarenta e cinquenta. Nos anos 50, os correios portugueses emitiam séries de grafismo austero que habitualmente comemoravam as efemérides de heróis, santos e realizações do Estado Novo. Em 1955, a mais extensa série do ano versava os primeiros reis de Portugal. A sua impressão em monocromia sobre papel mate tem a beleza clássica deste processo de impressão.

Como na gravura em madeira, a impressão calcográfica exige a gravação por artistas especializados. Philip Goodwyn Hall (10 e 20 c.), Maxime Ferré (50 c.), Nigel Alan Dow (90 c. e 2$00), Robert George Godbehear (1$00, 1$40 e 2$30) e Anthony Ronald Wild (1$50) passaram ao metal os desenhos dos selos. A impressão realizou-se na Bradbury, Wilkinson & Co., Ltd, de Londres. Reis de Portugal da 1.ª Dinastia seria a última grande série impressa nesta delicada técnica, reaparecendo esporadicamente em anos seguintes em séries de um ou dois selos. O pintor e ilustrador António-Lino (Guimarães, 1914) esculpe estes coevos reis, fundadores da nacionalidade, como máscaras mortuárias, de olhos vazados, galeria fantasmagórica que haveria de ser uma das mais belas emissões filatélicas portuguesas em talhe-doce. Sem se preocupar em conferir aos reis portugueses um rosto possível, como Martins Barata tinha feito dez anos antes, em 1945, na série Navegadores Portugueses, Lino fixa o retrato simbólico de uma dinastia mítica e sobrehumana que construiu o país a golpes de espada e ardis diplomáticos.

Fontes:

Selos, postais e marcas filatélicas, catálogo, AFINSA, 2006

Definição de talhe-doce: Gravadores estrangeiros na Corte de D. João V, Maria Augusta Araújo, Boletim APHA, 2006

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