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histórias da ilustração portuguesa

Romance

ROMANCE 18

«Os Caminhos da Felicidade», Romance n.º 18, 3 de maio de 1958, Aguiar & Dias Lda., Carlos Alberto Santos

«Ela sofria tanto de ser pobre que só nutria uma ambição: desposar alguém que a arrancasse ao meio onde vivia. Mas não é fácil renegar os seus.»

Inserto no conto «Juventude  do Coração» no número 6 da revista Romance — Contos e Novelas, este lead é uma justa síntese das toneladas de novelas e romances que replicaram, ao longo de décadas, a história universal da Gata Borralheira. Tal abundância tinha os seus cultores nacionais, mas era importada sobretudo de Espanha e Itália, abastecendo uma miríade de publicações nacionais que apostava na produção barata mas, ainda assim, atraente ao olhar do público feminino. A Romance, datada de 1958, seria uma curiosa antecessora de um género que atingiria o apogeu, já nos anos sessenta, a inolvidável fotonovela. Com 32 páginas e um formato generoso a rondar o A4, a Romance foi um fenómeno editorial fugaz, conhecendo o Almanaque 23 números, com publicação semanal ao sábado. 

(Quanto à rapariga da história, acabou por ficar com o rapaz pobre e de bom coração, renegando o fidalgote rico e má rês por quem se embeiçara no início do conto.)

ANÚNCIO 2

O que significava, para o editor da Romance, ser um «desenhador hábil» argumento suficientemente relevante para constar de vários anúncios insertos na revista? provavelmente um artista capaz de representar uma cena passional com qualidade narrativa e uma anatomia exemplar, um ilustrador, portanto, capaz de ombrear com um Emilio Freixas, ilustrador espanhol especialista da literatura cor de rosa da época. O género teve entre nós um cultor de grande gabarito, visita regular deste Almanaque: o «hábil» Carlos Alberto Santos (Lisboa, 1933-Lisboa, 2016), uma verdadeira máquina de ilustrar que alimentou a prolífica editora Agência Portuguesa de Revistas durante duas décadas, em todos os temas possíveis da literatura popular, da guerra ao faroeste, do soft porno ao histórico, do policial à espionagem. Pela Romance pontuaram outros talentos, sem biografia reconhecível, como um Gayo, na capa do número 17. As ilustrações do miolo da revista, impressas a preto em sofrível papel, foram, na quase totalidade, criadas por Carlos Alberto Santos, que repartia as capas da Romance com outros dois portugueses, José Manuel Soares (São Teotónio, 1932-Costa da Caparica, 2017) e José Antunes (Lisboa, 1937-Lisboa, 2010), artistas gráficos talhados na ilustração narrativa, afeiçoada à banda desenhada e às encomendas da indústria publicitária. O realismo desenhado exige, no entanto, mão disciplinada e uma visão cinematográfica, que só tiveram realização plena com Carlos Alberto. Comparem-se as capas dos números sete e nove para aferir o virtuosismo deste e as tropelias anatómicas de José Antunes. Após a euforia modernista das décadas de 20 e 30, o verismo pictórico voltava a ser peça fundamental para conferir à literatura do coração os standards de beleza, masculina e feminina, que as concorrentes fitas de Hollywood praticavam nos cinemas de Lisboa e Porto.

ROMANCE 2

«Cartas antigas», Romance n.º 2, 11 de janeiro de 1958, Aguiar & Dias Lda., José Antunes

ROMANCE 4

«O amor era mais forte», Romance n.º 4, 25 de janeiro de 1958, Aguiar & Dias Lda., José Antunes

ROMANCE 6

«O pássaro de fogo», Romance n.º 6, 8 de fevereiro de 1958, Aguiar & Dias Lda., José Manuel Soares

ROMANCE 7

«O elefante de jade», Romance n.º 7, 15 de fevereiro de 1958, Aguiar & Dias Lda., Carlos Alberto Santos

ROMANCE 9

«Amar é fácil», Romance n.º 9, 1 de março de 1958, Aguiar & Dias Lda., José Antunes

ROMANCE 12

«Não passou dum sonho…», Romance n.º 12, 22 de março de 1958, Aguiar & Dias Lda., José Antunes

ROMANCE 15

«Um beijo dado a Ângela», Romance n.º 15, 12 de abril de 1958, Aguiar & Dias Lda., Gayo

ROMANCE 17

«Um homem pacífico», Romance n.º 17, 26 de abril de 1958, Aguiar & Dias Lda., Carlos Alberto Santos

ROMANCE 20

«A filha do professor», Romance n.º 20, 17 de maio de 1958, Aguiar & Dias Lda.

ROMANCE 23

«Milagre de amor», Romance n.º 23, 7 de junho de 1958, Aguiar & Dias Lda.

 

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Morde o pó, canalha!

Billy The Kid, Buck Jones, Buffalo Bill, Matt Marriott, Cisco Kid, Davy Crockett, Dick Daring, Jim Bridger, Kansas Kid, Kit Carson, Lance, Matt Dillon, Red Ryder, Sam Billie Bill, Sargento Kirk, Texas Kid… Uma legião de justiceiros, artilhados com um seis-tiros e a inseparável cavalgadura, monopolizaram durante três anos as páginas e, sobretudo, as capas, de uma das mais populares revistas de quadradinhos portuguesas de sempre: o Mundo de Aventuras. A partir do número 538 de janeiro de 1960, a revista dedicou-se exclusivamente a histórias de índios e cowboys. Tarzans e Mandrakes haveriam de esperar pelo número 698 para dar um ar da sua graça e as coboiadas mantiveram-se em franca maioria até esmoreceram aí pelo número 753, dando lugar à espada cantante do Príncipe Valente. A obsessão pelo Oeste americano vinha do cinema, claro, ainda longe da violência estilizada do western spaghetti dos anos 70 e da violência amoral do western crepuscular das décadas seguintes. O maniqueísmo do enredo e a virilidade justiceira (as mulheres têm apenas papel decorativo) eram motor de incontáveis e anónimas produções americanas ou italianas que pelos anos sessenta enchiam os cinemas de bairro e alimentavam o espírito irrequieto da pequenada, sedenta de um fast food moral que as fitas e quadradinhos do Oeste propiciavam.

Artífice exclusivo desta cavalgada ilustrada, Carlos Alberto Santos (Lisboa, 1933) tinha o virtuosismo anatómico e a qualidade narrativa capazes de alimentar capas credíveis para respeitáveis heróis como o Cisco Kid de Jose Luis Salinas ou o Sargento Kirk de Hugo Pratt. Há nos seus guaches uma mistura de realismo mainstream e marca autoral inconfundível, dados pela carnalidade voluptuosa, pela plasticidade das roupas e da musculatura facial, algo maquiavélica, e a composição dinâmica que, se não tinha o esquematismo erudito das capas de Eduardo Teixeira Coelho para o Mosquito, tinha a competência cinematográfica dos filmes de série B. O ritmo infernal de produção do artista, a braços com todas as publicações da editora Agência Portuguesa de Revistas, não permitia uma qualidade constante, mas há excelentes ilustrações de uma vertiginosa coreografia onde os punhos ou o revólver ditavam a lei do mais forte. Se um realismo de contornos e volumes mais suaves marcou a produção dos primeiros anos, nas capas de 1963 e 64 Carlos Alberto abre outros caminhos, com traço mais duro e paleta monocromática, tintando heróis e vilões em cores complementares da titulação ou alternando cores frias e quentes, que plasmava também nas inúmeras coleções que complementavam o Mundo de Aventuras, como a Colecção Águia. Atributo de inteligência gráfica que o ilustrador repetiu numa das mais bonitas coleções de cromos da nossa infância, Camões, em 1966.

 

Fontes

Mundo de Aventuras, Carlos Bandeiras Pinheiro, Estudos Aventura Gráfica n.º 1, 1999

História da BD publicada em Portugal, Edições Época D’Ouro, 1995

http://www.bdportugal.info/Comics/Col/MA/MA1/index.html

http://www.inverso.pt (excelente site de João Manuel Mimoso com a história da Editora APR)

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Latin lovers

“Ao tornar-se famoso, ele esqueceu o primeiro amor… Mas esperava-o uma grande lição” Foto-Romance n.º 18

happy end de um casamento convencional era a obsessão das portuguesas dos anos cinquenta e sessenta. Ou assim parecia, dada a quantidade industrial de foto-romances, fotonovelas na ligeiríssima aceção portuguesa, com que os editores bombardeavam o público feminino, ávido de romance e crente do mito do príncipe e da pastora. Os homens, mais prosaicos, preferiam o sexo explícito, ou quase, dos livrinhos do Vilhena e das revistas de cinema com atrizes sumariamente vestidas. Arte popular, mas de produção sofisticada, tributária do cinema e da televisão, o romance fotográfico resistiu até aos anos oitenta, mas acabou por ser vítima do seu paradoxo: o extremo realismo da fotonovela não era compatível com o estatismo das suas fotografias, ao contrário da banda desenhada, onde o grafismo codificado dá ao leitor maior liberdade para ligar a sequência de imagens. A aceleração da cultura visual e o progresso social e cultural tornaram a fotonovela uma relíquia kitsch, perdida no tempo e apenas reciclada episodicamente em registo de paródia.

Herdeiro dos cine-romances dos anos vinte e trinta, o primeiro foto-romance viu a luz do dia em Itália em 1947 na revista Il Mio Sogno. Chamava-se Nel fondo del cuore e estrelava a debutante Giana Loris, a futura diva do cinema italiano Gina Lollobrigida. O foto-romance foi também uma extensão natural do romance desenhado, de figuração erotizada e muito popular pelos anos quarenta. A propagação do novo género foi quase intantânea e alastrou pela França, Bélgica e Espanha. Como de costume, as xaroposas histórias fotográficas chegaram tarde a Portugal, em adaptações compradas aos grandes grupos editoriais franceses e italianos, mas nas fichas artísticas da rara produção autótone podemos encontrar vedetas portuguesas do teatro e da televisão.

A coleção Foto-Romance, editada semanalmente por Aguiar & Dias em 1959, e que se assumia como “a primeira revista do género publicada em Portugal”, tinha curiosas capas ilustradas pelo único português capaz de ombrear com talentosos ilustradores estrangeiros, como o espanhol Emilio Freixas, que prevaleciam no mercado de revistas e livros cor-de-rosa, com as suas ilustrações veristas e anatomicamente virtuosas. Na realidade, durante toda a década de sessenta, Carlos Alberto Santos (Lisboa, 1933) inundou os quiosques e livrarias com românticas policromias pintadas a guache para centenas de publicações da Agência Portuguesa de Revistas. Mas as capas da Foto-Romance são algo muito diferente. Em esplendoroso preto e branco sobre cartolina laranja, Carlos Alberto traça pares românticos em flagrantes de sedução num registo linear impecável. Uma absoluta raridade, quando comparada com publicações similares espanholas, francesas ou italianas e até mesmo com a deriva fotográfica posterior das revistas portuguesas do género.

“Não sabia sequer os nomes dos pais, mas deveria por isso renunciar ao amor?” Foto-Romance n.º 5

“Nada sabiam um do outro, mas o seu amor resistiu a tudo…” Foto-Romance n.º 8

“Quando o coração tem razões que o cérebro não entende” Foto-Romance n.º 2

“Quando o amor nasce à mesa de um café” Foto-Romance n.º 10

As ilustrações foram restauradas digitalmente.

Fontes

Les Années Roman-Photos, Editions Veyrier, 1991

Portugal, Século XX – Crónica em imagens 1960-1970, Joaquim Vieira, Círculo de Leitores, 2000

http://www.historia.com.pt/APR/CarlosAlberto.htm

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Bela e perigosa

«A maldição veio do Inferno«, n.º 1, 1 março 1976 (original)

A Revolução de Abril de 74 abriu as portas ao trash erótico e humorístico em Portugal. Em Março de 1976, a editora Portugal Press de Roussado Pinto (Lisboa, 1926-Lisboa, 1985) lança a revista Zakarella, de 36 páginas. Apresentava um sortido de histórias de terror de qualidade irregular, provenientes da americana Creepy, da editora Warren, com pepitas do calibre de um Frank Frazetta ou de um Esteban Maroto e muito terror pelintra. A justificar o nome, esta versão lusa da americana Vampirella, tinha um conto de Ross Pynn (o mesmo Roussado Pinto). Ironia do destino, outra consequência de Abril liquidou a revista ao número 28. O Banco de Portugal não autorizou a Portugal Press a pagar em divisas os direitos de publicação das histórias da Warren com a justificada precisão dos dólares para importar bens de primeira necessidade.

Zakarella é uma renegada, em fuga de um Inferno terrestre governado pelo cruel Satã. Teletransportada directamente para Lisboa, ignorante da malvadez e lascívia lusitanas, a ingénua Zakarella sujeita-se às mais bizarras sevícias sexuais saídas da caneta delirante de Roussado e apimentadas com as carnes voluptuosas, adereços fálicos, monstros infernais e fluidos pútridos do pincel de Carlos Alberto Santos (Lisboa, 1933-2016). Anatomista precioso, o prolífico ilustrador da história heróica de Portugal em coleções de cromos e de infinitas capas para coleções de crime, guerra e cow boys da Agência Portuguesa de Revistas, pinta laboriosas composições a guache e tinta da china para esta capitosa morena de curvas estonteantes e indumentária mínima, que tem o feliz poder de regenerar o seu corpo após toda a casta de malandrins e bicharada lho arrancar literalmente aos pedaços. A história acaba invariavelmente numa orgia de sangue e horror, a contento do amo Satã e dos leitores da revista, que ainda hoje suspiram por este pecadilho juvenil.

Beautiful and dangerous

The 25th of April Revolution in 1974 opened wide the floodgates to erotic and humorous trash in Portugal. In March 1976, Roussado Pinto (Lisbon, 1926 – Lisbon, 1985) at Portugal Press launched a 36-page magazine called Zakarella. It featured a range of horror stories of uneven quality that originated in Creepy, an American magazine owned by Warren Publishing that carried nuggets of excellent work by Frank Frazetta and Esteban Maroto along with a great deal of third-rate horror. To live up to its name, this Portuguese version of the American Vampirella included a story by Ross Pynn (Roussado Pinto himself). By an ironic twist of fate, another consequence of the April Revolution was the liquidation of the magazine at issue No. 28. The Bank of Portugal failed to allow Portugal Press to pay Warren its publication rights in foreign currency as the bank determined that dollars were needed to import essential goods.

Zakarella is a rebel who escapes the terrestrial hell ruled by cruel Satan. Directly teleported to Lisbon and unaware of the wicked ways and lasciviousness of the Portuguese, the ingénue Zakarella is subjected to the most bizarre sexual abuse conjured up in Roussado’s delirious writing with the further titillation of voluptuous flesh, phallic trappings, hellish monsters and putrid fluids as illustrated by Carlos Alberto Santos (Lisbon, 1933 – Lisbon, 2016). He was a superb anatomist and prolific illustrator of heroes in the history of Portugal for sticker series along with countless covers for the Agência Portuguesa de Revistas publisher and their crime, war and cowboy editions. He painstakingly created gouache and Indian ink drawings of this capricious brunette and her stunning, scantily clad curves. She had the good fortune to be able to regenerate after being literally torn to pieces by villains and bestial creatures. Each story invariably ended in a horrific blood bath much to the delight of Lord Satan as well as readers who to this day still pine after these youthful sins.

«Os homens de sangue frio», n.º 2, 15 março 1976

«A maldição veio do Inferno», n.º 1, 1 março 1976

«…E os ratos possuíram-na», n.º 3, 15 abril 1976

«Luxúria no fundo do mar», n.º 7, 15 junho 1976

«No sangue vive o amor», n.º 17, 1 fevereiro 1977

«Os homens de sangue frio», n.º 2, 15 março 1976

«…E os ratos possuíram-na», n.º 3, 15 abril 1976 (original)

«A lava sensual», n.º 4, 1 maio 1976 (original)

«O rapto de Zakarella», n.º 18, 1 março 1977 (original)

Fontes
http://www.inverso.pt (originais das capas)
http://zakarella.blogspot.com
Zakarella n.º 28, março 1978
Carlos Alberto Santos, Exposição-Homenagem, Leonardo de Sá e João Manuel Mimoso, edição BD Amadora, 2005

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