“O fotógrafo não estava lá… Mas o desenho reconstitui...” Assim começava esporádicamente em 1957 e com regularidade semanal a partir de 1961, uma rubrica sobre crimes e acidentes violentos ou bizarros no vespertino Diário Popular. Zaragatas em cafés, disputas conjugais, lobos e hipopótamos à solta, inimizades de vizinhos e a infância da mortandade rodoviária, espelhavam o Portugal rural e moralista dos anos 60. O bric-à-brac enfatizava o pitoresco do acidente, a irracionalidade animal ou a maldade atávica dos crimes de sangue. A rubrica, semanal no suplemento Sábado Popular, oferecia-se claramente como entretenimento para a emergente classe média lisboeta.
Com ilustrações de Victor Ribeiro, e a partir de Maio de 1963, com o traço mais perfeccionista de Carlos Marques, a série não resistiu à nova ordem política, e finou-se em Outubro de 1975. O registo era descritivo e sóbrio, como convinha. O ilustrador compunha a cena tomando o ponto de vista mais espetacular, com a linguagem emprestada da dinâmica narrativa da banda desenhada. Pretendendo representar uma realidade que ninguém viu, a rubrica não deixava de ser uma ficção. E um paradoxo: apesar da neutralidade do desenho, não era possível substituir a fotografia.
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