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histórias da ilustração portuguesa

Leme em 45 rotações

brôto certinho 1962

Mandamentos do Broto

Qualquer garota linda
A florescer
Precisa achar no amor
O seu caminho
Mas para isso
Tem que conhecer
Os quatro mandamentos
Do brotinho!

Se ele for atrevido
E no cinema levar
Mesmo sendo seu querido
Não se deixe dominar
Mamãe não manda recado
Diretamente a falar
Um conselho bem sacado:
Tenha juízo
Não beijar!

Se o garoto é delicado
E mora no coração
No escuro
Sentado ao lado
Durante toda a sessão
Tem direito a uma casquinha
E um pouquinho de emoção
Para não perder a linha
Pode só pegar na mão!

Pense bem
Que o tempo passa
Devagar, mas vai passar
O sonho é como a fumaça
Pode um dia dissipar
Para um futuro com juízo
E uma vida regular
Não se esqueça que é preciso
Estudar, sempre estudar!

A noite suavemente
Como um sussurro de vento
Você seguirá contente
Este doce mandamento
Pensando no seu brotinho
Pode no sono encontrar
Aquele que é seu carinho
E sonhar, sonhar, sonhar!

É de paixão que falamos, daquelas que nunca morrem. Para reacender a chama, nada como uma novidade, mesmo a passar o meio século, pela voz de Célia Benelli Campello, aliás Celly Campello (São Paulo, 1942-2003). Cantora yé-yé, precursora do rock no Brasil, enfileirou na Jovem Guarda, movimento cultural brasileiro onde pontuavam também Roberto Carlos, Wanderléia e Erasmo Carlos. As canções açucaradas de Celly iam certeiras ao coração dos brotinhos, o equivalente às teenies de hoje, e chegavam a Portugal em eps da Parlophone, discográfica subsidiária da Warner, em capas ilustradas por João da Câmara Leme (Beira, Moçambique, 1930-Lisboa, 1983), onde liliputianas figuras acrescentam um toque inocente aos brotinhos dos três eps de Celly Campello. Se o talento de Câmara Leme se prova à saciedade nos livros, nas revistas e na propaganda do Turismo, de fácil acesso em bibliotecas e alfarrabistas, os discos extended play, sem contabilidade estudada, são jóia rara, apesar do seu baixo valor comercial. Sem data impressa, arrumam-se facilmente nos primeiros anos da década de sessenta, desde logo pelo uso do caligráfico «Câmara Leme», assinatura comum nas suas ilustrações editoriais da época. A discografia caótica do ilustrador, a que se acrescenta o folclore alentejano e a música para crianças é, afinal, um mini catálogo de virtuosos registos, contemporâneos das suas melhores capas para a Biblioteca dos Rapazes, a Biblioteca das Raparigas, a Contemporânea e O Livro de Bolso, coleções emblemáticas da Portugália, a editora que Câmara Leme iluminou em toda a década de sessenta.

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45 revolutions per minute

We’re talking here about illustrated passion – and of an undying kind. There’s nothing like novelty to rekindle an old flame, even after half a century, in the voice of Célia Benelli Campello, aka Celly Campello (São Paulo, 1942-2003). A yé-yé pop singer and precursor of rock in Brazil, part of the Brazilian cultural movement Jovem Guarda along with Roberto Carlos, Wanderléia and Erasmo Carlos. Celly’s saccharine songs went straight to the heart of brotinhos, the teenies of the time, and reached Portugal in EP (extended play) recordings produced by Parlaphone, a Warner label. The record sleeve illustrations were done by João da Câmara Leme (Beira, Mozambique, 1930-Lisboa, 1983) whose Lilliputian characters added a touch of innocence to the brotinhos of Celly Campello’s three EPs. Câmara Leme’s talented work can be found ad infinitum in books, magazines and tourism propaganda in libraries and second-hand booksellers, but his ED record sleeves, of uncertain number, are rare though low-priced treasures. Though undated, they are easy to place in the early 1960s because of the ‘Câmara Leme’ signature, common usage in his editorial illustrations at the time. In the end, his chaotic record sleeve work, together with his illustrations of Alentejo folklore and music for children, form a mini catalogue of skilful work at the same time as his best covers for Biblioteca dos Rapazes, Biblioteca das Raparigas, Contemporânea and O Livro de Bolso, are more than merely emblematical collections of Portugália, the publishers Câmara Leme lightened throughout the 1960s.

BrotoLegal

o meu amor vai passar

AGalinhaVerde

eugénia lima

ONataldasCriancas

FestivalSRemo

estremoz

Fontes

João da Câmara Leme, Pedro Piedade Marques e Jorge Silva. Coleção D9. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2015

https://www.ouvirmusica.com.br/celly-campello/

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A tesoura libertária

João da Câmara Leme 1

A tesoura, habitualmente símbolo de censura e restrição de liberdades, tranfigura-se nestas ilustrações em ferramenta libertária. Sabemos que o artista era dado a preguiças gráficas. E a preguiça terá sido, quem sabe, motor de uma simples mas ousada solução para este livro da Colecção Pequenos Pioneiros da Editora Portugália, pelo ano de 1967. Seu autor, João da Câmara Leme (Beira, Moçambique, 1930-Lisboa, 1983), já referenciado no Almanaque a propósito das suas expressivas e elaboradas ilustrações para o universo infanto-juvenil. A História da Coelhinha Branca, escrita por Maria Helena da Costa Dias, conta-nos as peripécias de uma comunidade de coelhos a contas com o trivial da sobrevivência: comer, reproduzir-se e escapar a ferozes predadores. Uma coelha branca de olhos de fogo, acidente genético numa comunidade de dominante pelagem parda, está condenada à irrelevância e ao sacrifício na boca de qualquer gineto ou raposa. Até que, num prolongado e alvíssimo inverno, chega a sua redenção, transportando infatigavelmente a subsistência alimentar para toda a tribo, iludindo com a sua perfeita camuflagem o cerco vigilante das feras. O argumento é movimentado, a reclamar figuração explícita para a simpática moral da história, mas tal não acontece. Câmara Leme despacha o livro em quatro sumaríssimas ilustrações que parecem, no seu minimalismo e simetria geométrica, um expedito trabalho de papel e tesoura. Círculos recortados com padrões radiais dão corpo a nuvens, árvores e flores e são complementados por repetitivas e estáticas silhuetas de láparos. E neste minimalismo reside o seu particular fascínio. É tentador comparar este trabalho de Câmara Leme com outra história de coelhos, o número três da mesma coleção, A Coelhinha do Rabito de Algodão, um texto de Erskine Caldwell ilustrado por um Tóssan preocupado em representar exatamente o que se conta, no seu traço maneirista e descritivo. Sem narrar a História da Coelhinha Branca, Câmara Leme conta uma outra história e confere às imagens uma leitura mais rica. E dá de bandeja um tentador exemplo para a miudagem exercitar os seus dotes de corta e cola, num registo gráfico que parece não ter idade.

Liberating scissors

Scissors usually represent censorship and curtailed freedoms but they become tools for liberation in these illustrations. We know that the illustrator was prone to drawing in a rather lazy fashion. And laziness could have been, who knows, what actually brought about the simple but daring graphic results in the book Colecção Pequenos Pioneiros, published by Editora Portugália in 1967. The Almanaque has already mentioned João da Câmara Leme (Beira, Mozambique, 1930 – Lisbon, 1984) and his expressive, elaborate illustrations for children’s literature.  A História da Coelhinha Branca [The Story of the Little White Rabbit] by Maria Helena da Costa Dias tells of the adventures of a group of rabbits and their everyday struggle to survive: they eat, reproduce and try to evade ferocious predators. A white rabbit with flame-like eyes, a genetic anomaly among brown rabbits, is doomed to a short existence to end in the jaws of some lynx or fox. That is, until the snow during a long winter camouflages her whiteness shielding her from sharp voracious eyes encircling them as she tirelessly finds food for the whole warren. It is a narrative with such pace that it begs for obvious figurative illustrations, but it doesn’t get them. Câmara Leme does the job with four rough drawings that seem, in their geometric minimalism and symmetry, a skilful piece of paper and scissors work. Circles cut out in radial patterns represent clouds, trees and flowers that are complimented by stationary young bunnies. It is precisely within this minimalism that its special fascination lies. Not narrating História da Coelhinha Branca, Câmara Leme tells another story that gives the images an even richer meaning. And he also sets an example that encourages young children to perfect their own cut and paste skills. 

João da Câmara Leme 2

João da Câmara Leme 3

João da Câmara Leme 4

As ilustrações foram restauradas digitalmente The illustrations were digitally restored

João da Câmara Leme, A história da coelhinha branca 1967

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Gil Blas, o pícaro

Gil Brás resolve correr o mundo, Colecção Juvenil 9, 1965

O romance picaresco é um género literário espanhol corrente nos séculos XVI e XVII. Nasceu como paródia à literatura idealista do Renascimento, com as suas epopeias, livros de cavalaria e romances pastoris. A narração picaresca, geralmente autobiográfica, apresentava-nos um astucioso pícaro, um jovem de baixa extração social que se movia entre patrões crapulosos, mulheres de reputação duvidosa, maridos cornudos, poetas ridículos, falsos sábios e médicos perigosamente ignorantes. A sua primeira publicação é o célebre romance A Vida del Lazarillo de Tormes, logo em 1554, de autor anónimo. O género ficou consolidado com Mateo Alemán e o seu romance Guzmán de Alfarache, publicado em 1599 e 1604 e a influência da literatura picaresca estendeu-se a toda a Europa e chegou até aos escritores do século XIX, como Mark Twain e as aventuras do seu Huckleberry Finn. De França nos veio este Gil Blas de Santillana, escrito por Alain-René Lesage e publicado originalmente em três volumes entre 1715 e 1735.

Não sendo própriamente literatura para jovens, a comicidade e o espírito aventureiro de Gil Blás encaixaram bem na Colecção Juvenil da editora Portugália, que publicou a trilogia com o nome de Gil Brás de Santilhana, em 1965 e 66,  ilustrada por João da Câmara Leme (Beira, Moçambique, 1930-Lisboa, 1983), o grande responsável pelo design e ilustração da editora durante toda a década. Leme regista as andanças de Gil Brás sem sombra de malícia. Nada há de pícaro nas capas ilustradas e a mestria gráfica de Leme apura ao limite uma das suas marcas recorrentes: figuração geometrizada, cores planas e um traço preto pesado e orgânico que delimita e estrutura a ilustração, como se de um pequeno vitral se tratasse. As imagens apresentam-se num plano estático e frontal e, apesar da limpidez do traço, a impressão geral é de uma cena curiosamente desfocada. A impressão tipográfica sobre papel couché brilhante tem 4 e 5 cores diretas, jogando claramente com a oposição de cores quentes e frias. A curta série foi exemplo das dezenas de declinações gráficas deste registo e constituiu-se como uma das marcas mais memoráveis da ilustração portuguesa do anos sessenta do século XX.

Gil Blas, the picaro

The picaresque novel is a 16th- and 17th-century Spanish literary genre that emerged as a parody of idealistic Renaissance literature with its epopees, chivalric books and pastoral romances. It narrates the story, usually in the first person, of some crafty picaro [Spanish for rogue], a lowborn young fellow who lives in the company of debauched masters, women of ill-repute, cuckolds, absurd poets, bogus scholars and dangerously ignorant doctors. The Life of Lazarillo de Tormes and of His Fortunes and Adversities was published anonymously in 1554 and is considered the first picaresque novel. The genre was consolidated with Mateo Alemán and his book Guzmán de Alfareche, published in 1599 and 1604. Picaresque literature then spread throughout the whole of Europe and influenced 19th-century writers, such as Mark Twain when he wrote The Adventures of Huckleberry Finn. The French picaresque novel, Gil Blas, was written by Alain-René Lesage and first came out in three volumes between 1715 and 1735. 

Although not really meant for youngsters, the humorous and adventurous spirit in Gil Blas seems only right and proper in the children’s collection published by Portugália. They published the trilogy as Gil Bras de Santilhana in 1965 and 66 with illustrations by João da Câmara Leme (Beira, Mozambique, 1930 – Lisbon, 1984), who was in charge of their design work and illustrations in the 1960s.  Leme records Gil Bras’ doings without a trace of maliciousness. There’s nothing roguish on the illustrated covers and Leme’s graphic mastery pushes to the limits a recurring feature of his: geometrised figuration, flat colours and organic, heavy black lines that delimit and structure the illustration as if it were a small stained-glass window. The drawings are presented from a static, frontal viewpoint, and despite the limpidity of line, they give a strangely unfocused impression. They are printed on glossy couche papers directly in 4 or 5 colours that clearly play with the contrast between warm and cool colours. This short series was an example of numerous graphic variants of its kind and represents one of the most remarkable among Portuguese illustrations in the 1960s. 

O confidente, Colecção Juvenil 11, 1966

O fim de uma longa história, Colecção Juvenil 12, 1966


As ilustrações foram restauradas digitalmente  The illustrations were digitally restored

Fontes Sources

http://en.wikipedia.org/wiki/Gil_Blas

http://es.wikipedia.org/wiki/Novela_picaresca

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Linhas cruzadas

João da Câmara Leme (Beira, Moçambique, 1930-Lisboa, 1983) ilustrou alguns dos mais emblemáticos livros para a infância dos anos 60. O apurado instinto do ilustrador permitia grafismos bastante variados, desde a textura lenhosa dos Contos para Crianças, de Jaime Cortesão até às cores planas sem linha da Nau Catrineta, de Alice Gomes. Mas o registo mais interessante talvez seja o dos números 10 e 11 da Colecção Os pequenos Pioneiros da editora Portugália: A Menina e o Elefante, de Alexandre Kuprine; e A Bela e o Monstro, de Leprince de Beaumont, ambos de 1968. Obras de uma extrema delicadeza a que o traço de Câmara Leme emprestava uma terna melancolia, num regresso à linha que seria tendência marcante da ilustração editorial da década seguinte.

As ilustrações são compósitos de figuras planificadas sem recurso a perspetiva e contam a história como uma peça de teatro levada ao palco, onde narração e cenografia são asseguradas por elementos gráficos avulsos mas igualmente expressivos. O contraponto da curiosa mise-en-scène está no desenho laborioso das figuras, onde formas e volumes são trabalhados em bandas de traços paralelos e sentidos opostos. A mesma alternância verifica-se no uso de três a quatro cores directas para além do preto. Este aparente formalismo revela uma espantosa originalidade e liberdade formal e não tem paralelo noutros autores contemporâneos. A apoteose está no famoso Figuras Figuronas, da mesma coleção, datado de 1969. Aos atributos enunciados junta-se agora um contraste cromático mais vincado com a redução a duas cores e uma prodigiosa geometrização das figuras. Bem a propósito para esta deliciosa incursão poética da escritora Maria Alberta Menéres nas matemáticas e geometrias, papão eterno das escolas portuguesas.

A Menina e o Elefante, Colecção Os Pequenos Pioneiros 11, Editora Portugália, 1968

A vida de um cabritinho, conto de A Menina e o Elefante, Colecção Os Pequenos Pioneiros 11, Editora Portugália, 1968

Os saltimbancos, conto de A Menina e o Elefante, Colecção Os Pequenos Pioneiros 11, Editora Portugália, 1968

A Bela e o Monstro, Colecção Os Pequenos Pioneiros 10, Editora Portugália, 1968

A Bela e o Monstro, Colecção Os Pequenos Pioneiros 10, Editora Portugália, 1968

A Bela e o Monstro, Colecção Os Pequenos Pioneiros 10, Editora Portugália, 1968

A Bela e o Monstro, Colecção Os Pequenos Pioneiros 10, Editora Portugália, 1968

1. Triângulo, poema de Figuras Figuronas, Colecção Pequenos Pioneiros, Editora Portugália, 1969

2. Losango, poema de Figuras Figuronas, Colecção Pequenos Pioneiros, Editora Portugália, 1969

3. Circunferência, poema de Figuras Figuronas, Colecção Pequenos Pioneiros, Editora Portugália, 1969

8. Paralelas, poema de Figuras Figuronas, Colecção Pequenos Pioneiros, Editora Portugália, 1969

14. Bissectriz, poema de Figuras Figuronas, Colecção Pequenos Pioneiros, Editora Portugália, 1969

15. Cone, poema de Figuras Figuronas, Colecção Pequenos Pioneiros, Editora Portugália, 1969

As ilustrações de A Menina e o Elefante e A Bela e o Monstro foram restauradas digitalmente

Fontes

Maria Alberta Menéres e a poesia para a infância, de José António Gomes, Revista Malasartes, Janeiro 2010 

João da Câmara Leme, texto de Henrique Cayatte, Livros Alice, 2007 (inédito)

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Uma chama viva onde quer que viva

Pensaram alguma vez, as minhas queridas leitoras, o que representa para a nossa vida esta simples e fácil realidade que é escrever um postal ou dar um telefonema requisitando uma garrafa de Gazcidla? Recordam-se o que foram as cozinhas de há 25 anos, com a fumarada do carvão ou da lenha espalhando-se pela casa e enegrecendo as paredes, os tachos e as panelas?  E quanto tempo nos levava a acender o lume e a aquecer o fogão? Lembram-se, ainda,  da era do fogareiro de petróleo, que também enchia as cozinhas de fumo, do seu ruidoso “bufar”, do característico bombar “fu-fu-fu” para conseguir a desejada pressão, das limpezas que frequentemente tinham de fazer-se às “cabeças” por estarem constantemente entupidas? *


Quando a SACOR (petrolífera nacional antepassada da GALP) inaugurou a refinaria de Cabo Ruivo em 1940, estava a cumprir as diretivas do Estado Novo para a auto-suficiência na área dos Petróleos e da Energia. A remodelação e ampliação de 1958 tornou-a apta a comercializar vários combustíveis para aplicação doméstica e industrial. Em sequência, foi criada a sociedade Combustíveis Industriais e Domésticos, CIDLA, que originou a marca de gás doméstico Gazcidla. Em concorrência com a deficiente rede de gás pública, proporcionava à emergente classe média das cidades e subúrbios um módico de conforto que a mobilidade das botijas e uma extensa rede de vendedores permitia. Numa excelente jogada de marketing, sai em março de 1960 o primeiro número da Banquete – Revista Portuguesa de Culinária. A edição do Instituto Culinário CIDLA e o design apurado da agência CIESA esmeravam-se nas artes da cozinha dirigidas às donas de casa e, claro, na publicidade massiva a fogões, esquentadores e à sua fonte de energia, o gás butano.

Durante os primeiros trinta números, até 1963, a revista serve-nos um verdadeiro banquete publicitário ilustrado pelo modernista Piló e por um surpreendente Gabriel Ferrão, traço geometrizado a cumprir o humor cartoonesco daqueles anos, com os estereotipados papéis sociais e de género. O intocável chefe de família, após o dia de labuta, só tem que se sentar à mesa para saborear os deliciosos pitéus que a sua senhora confecionou amorosamente num fogão Presmalt. Este Ferrão, prolífico ilustrador dos anos quarenta em inumeráveis livrinhos infantis da editora Majora, haveria de continuar a desenhar narizes a régua e esquadro no Jornal do Exército por toda a década de sessenta.

Em 1964, a Gazcidla, através da agência de publicidade Êxito, publica seis cartazes, no formato 49×69 cm,  ilustrados por João da Câmara Leme (Beira, Moçambique, 1930-Lisboa, 1983). O trabalho de Leme está nos antípodas das piadas revisteiras de Ferrão. As figurinhas amáveis e púdicas em traço farpado e composições densas, têm impressão luxuosa a quadricromia e prata, bastante apropriada à decoração dos pontos de venda das botijas milagrosas. A elegância gráfica de Câmara Leme acompanha a consagração do Gazcidla como marca amplamente aceite pelos consumidores: em 1964, pelos 25 anos da CIDLA, o gás da chama viva aquecia mais de 300 mil lares portugueses.

* Excerto do editorial da Banquete, de outubro de 1964, pela directora da revista, Maria Emília Cancella de Abreu.

As publicidades da Banquete foram restauradas digitalmente

Fontes

SACOR – Refinaria de Cabo Ruivo, 1956, ed. SACOR

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Mundo de Aventuras

O Último Moicano, Fenimore Cooper, Portugália, Biblioteca dos Rapazes 10, 1963

É desta matéria que se fazem os sonhos. Por aqui passam verdes de variados matizes, viajando por selvas impenetráveis, mares alterosos e ilhas perdidas de uma adolescência mítica que habita em todos nós. Com uma geometria orgânica que é tudo menos inocente, a arte do ilustrador tem uma delicada ternura e erudição que fez dele um dos mais talentosos e estimados ilustradores portugueses. O traço negro, compacto ou texturado, encerra cores puras e constrói pequenos vitrais em papel, com figuras sintéticas que acentuam o poder evocativo das ilustrações. Capista e ilustrador quase exclusivo da Editora Portugália, João da Câmara Leme (Beira, Moçambique, 1930-Lisboa, 1984) ilustra algumas das mais emblemáticas obras de Daniel Defoe, Fenimore Cooper, Mark Twain e Stevenson para a mais amada das coleções de livros das nossa juventude, a Biblioteca dos Rapazes. Este primeiro conjunto de ilustrações abre uma autêntica Arca do Tesouro, para revelar mil registos e nuances com que Câmara Leme generosamente iluminou toda a década de sessenta do século XX.

Robinson Crusoé, Daniel Defoe, Portugália, Biblioteca dos Rapazes 13, s.d.

Viagens de Tom Sawyer Mark Twain, Portugália, Biblioteca dos Rapazes 15, s.d.

Um Rapaz às Direitas, Odette de Saint-Maurice, Portugália, Biblioteca dos Rapazes 20, 1960

A Ilha do Tesouro, Stevenson, Portugália, Biblioteca dos Rapazes 25, 3.ª ed. , s.d.

Daniel, Alphonse Daudet, Portugália, Biblioteca dos Rapazes 40, s.d.

Acampamento à Beira-rio, W. M. Levick, Portugália, Biblioteca dos Rapazes 60, 1963

Excursão Acidentada, Richard Church, Portugália, Biblioteca dos Rapazes 67, 1964

O Cavaleiro de Sartigues, Hélène Hilpert, Portugália, Biblioteca dos Rapazes 68, 1964


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