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histórias da ilustração portuguesa

As orelhas do sr. Silva

O Capital com rosto, Heitor de Sousa, Combate 130, Maio 1990, tinta da china e pastel de óleo

Foi ilustrador de uma década ou um pouco menos, debutando no jornal Contraste em 1986, afirmando-se no jornal Combate, de que foi diretor gráfico entre 1978 e 2003, e acabando os anos 80 a ilustrar para os maiores semanários da época: O Jornal, o Expresso e O Independente. Saltitava de registo em registo, influenciado por grandes ilustradores clásssicos, praticando a economia gráfica de um Savignac e a figuração grotesca de André François ou de Ronald Searle. Patronos domésticos também os teve. Os surpreendentes pastéis de óleo de Jorge Colombo exerceram sobre ele um hipnótico fascínio e a agressividade dos grafismos de Luís Miguel Castro inspiraram muitas das suas colagens fotográficas. Ideias simples e figuras grotescas eram também a resposta à letra, muitas vezes dogmática, de áridos temas do reportório habitual do jornal Combate, órgão central do PSR (Partido Socialista Revolucionário, de  inspiração trotsquista e um dos fundadores do atual Bloco de Esquerda). Feminismo, sindicalismo e as intermináveis mazelas dos imperialismos americano e soviético robusteceram a veia metafórica do ilustrador, que desenvolveu neste jornal a maior (e melhor) parte da sua carreira de ilustrador editorial. Se a grafia era atemporal, o cinismo das suas metáforas era bem contemporâneo, alinhavado e alinhado por uma geração desencantada da coisa pública e aliada precária das ortodoxias partidárias. A figuração humana foi recorrente nas suas ilustrações, e um progressivo minimalismo conceptual e gráfico levou-o a concentrar-se apenas na cabeça das suas bizarras criaturas. As simples orelhas das personagens, sintetizou-as ele numa espécie de palmier gráfico de espirais simétricas que paulatinamente foi reproduzindo entre tintas da china e pastéis de óleo, ecolines e acrílicos, grattages e linóleos, constituindo uma marca, cúmplice com o leitor, comum aos seus inúmeros registos e assinaturas. Para a sua única individual de ilustração, em 1991, na galeria do restaurante Casa da Memória, a convite de João Paulo Cotrim, aí temos a sua assumida orelha gráfica enxertada na fotografia.

As orelhas de Jorge Silva (Lisboa, 1958) eram uma piada simpática entre a comunidade da ilustração editorial e balizaram, para o melhor e para o pior, este ilustrador que se sentiu sempre muito mais à vontade a dirigir outros ilustradores.

The ears of Senhor Silva

Jorge Silva (Lisbon, 1958) was an illustrator for a decade or just about, starting off at the Contraste newspaper in 1986 before going on to the Combate newspaper, where he was the graphic editor between 1978 and 2003. By the end of the 1980s, he was doing illustrations for Portugal’s leading weekly newspapers: O Jornal, o Expresso and O Independente. He hopped between styles, and influenced by great classic illustrators, he employed the graphic spareness of a Savignac and the grotesque figuration of André François and Ronald Searle. He had Portuguese patrons too.  Jorge Colombo’s astonishing oil pastels exercised a hypnotic fascination over him and the aggressiveness of Luís Miguel Castro’s graphic work was the inspiration behind a great many of his photographic collages. He found in simple ideas and grotesque figuration a precise, and at times dogmatic, response to the dry themes in the repertoire of Combate, the official organ of the PSR (Revolutionary Socialist Party – a Trotskyist party and one of the founders of today’s Bloco de Esquerda [Leftwing Bloc]). Feminism, syndicalism and the endless blight of US and Soviet imperialisms reinforced his liking for metaphor while he developed the greater and (better) part of his career as editorial illustrator of Combate. If his graphics were ageless, the cynicism of his metaphors was certainly contemporary and shared by a generation that had grown disenchanted with public affairs and precariously allied itself to party orthodoxies. Human figuration recurs in his illustrations and a growing conceptual and graphic minimalism led him to focus on the heads of his strange creatures. He reduced their ears into symmetrical spirals like graphic palmier pastries, which he gradually included in his illustrations in China ink, oil pastels, ecolines, acrylics, grattages or linoleums, until they become a distinctive feature that invited the reader’s complicity in the numerous genres of illustration he did under different names. And there it is again, on his photograph of the invitation to his only individual exhibition of illustrations, which João Paulo Cotrim organised in the gallery of the Casa da Memória restaurant in 1991. The ears of Jorge Silva became a charming in-joke between editorial illustrators and signalled out, for better or for worse, a illustrator who has always been far more comfortable overseeing the work of other illustrators. 

Fotografias a direito, Combate 104, janeiro 1988, pastel de óleo

Palavras-chave da imprensa portuguesa, João Martins pereira, Combate 111, setembro 1988, pastel de óleo

Prefiro a dependência à solidão, Luís Miguel Cintra, Combate 112, outubro 112, pastel de óleo

O vermelho e o verde, Jean-paul Deléage, Combate 123, outubro 1989, acrílico

Sexo, aventuras & videotapes, Alessandra Balsamo, Combate 126, Janeiro 1990, ecoline e água

Estratégias de felicidade e conhecimento, crónica de Francisco Louçã, O Jornal, 1988, acrílico

A África e o Golfo, João Martins Pereira, Combate 135, outubro 1990, linóleo

Fogo, Jorge Paiva, Combate 135, Outubro 1990, Tinta da china

O pénis e o poder, crónica de josé Sousa Jamba, O independente, Maio 1992, acrílico

A loucura, medida da nossa ignorância, Combate 162, fevereiro 1993, tinta da china e fotocopiadora

Fontes Sources

O Combate Ilustrado de 1986 a 2007, coord. Jorge Silva, Edições Combate, 2009

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