Os retratos são inquietantes, os olhos profundos, escuros, cravados nos do leitor. O convite para beber uma das mais célebres cervejas francesas, cujas origens remontam a 1664, é impositivo, acentuado pela ilusão de um copo e a mão que o segura fora do plano do desenho. Desconhecemos o sucesso da campanha, mas estamos longe do hedonismo ligeiro com que a publicidade às cervejas dos anos sessenta se ilustrava. O hospedeiro dos anúncios de monsieur Lima, assinatura reconhecível em algumas das publicidades, era um dos mais célebres magazines europeus, o Paris Match. Pelas suas páginas, de dimensões generosas e finamente impressas em rotogravura, passaram as grandes reportagens sensacionalistas e a melhor publicidade da época, esta assegurada por reputados ilustradores como René Gruau e Savignac. No final de uma larga estadia em Paris, que iniciara em 1954, Lima de Freitas (Setúbal, 1927 — Lisboa, 1998) assinaria, convidado pela agência de publicidade R. L. Dupuy, duas campanhas para a cerveja Kronenbourg com o mesmo conceito de base, associado à expansão da cerveja para mercados internacionais. A primeira, de 1959, em traço cartunesco e bem humorado, introduzia a cerveja quase sempre em paragens exóticas, como o Irão, a Índia ou o Japão.
Três anos depois, em 1962, a Kronenbourg viaja com trela mais curta, apenas para destinos na Europa Ocidental. A representação realista das personagens e dos cenários que as emolduram, num severo preto e branco, pretendia, provavelmente, públicos mais sofisticados e a série de seis anúncios apresenta ainda uma curiosidade adicional. Os estereótipos culturais estão reservados às personagens masculinas, como o espanhol toureiro, o inglês conservador ou um holandês saído diretamente de um quadro de pintura flamenga, enquanto as mulheres vestem com simplicidade moderna e, aparentemente, anónima. Conhecedor do profundo humanismo que guiou a vida e a obra do artista, o Almanaque hesita entre uma manifestação pioneira pela libertação feminina, ou por um marialvismo subtil que concede apenas ao homem o poder de representação identitária e remete a mulher para a efemeridade dos trapos. Ainda assim, estas soberbas imagens de Lima de Freitas estão em linha com outros trabalhos seus da mesma época, como as ilustrações de grandes clássicos da literatura mundial para o americano Limited Editions Club ou a Lírica de Camões, para a portuguesa Realizações Artis.
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