No Portugal cinzento dos anos sessenta, O Parque Mayer era escapatória tolerada para a repressão na política e nos costumes. A talentosa comediante Ivone Silva e a autorização do biquini nas praias e nos palcos vão conferir ao decadente Teatro de Revista um último sopro de vida até 1974, quando a revolução de Abril liquida de vez o jogo do gato e do rato que o teatro musicado joga anos a fio com a Censura. Revista que se prezasse apresentava corpo de baile apurado que a propósito de tudo e de nada exibia as pernas em números musicados, filiação direta na tradição do music hall europeu. Geralmente historiada como lugar de resistência possível à Ditadura, menospreza-se o papel da Revista à Portuguesa na cruzada pela libertação sexual do macho lusitano, a contas com uma moral provinciana e a proibição legal da prostituição, logo em 1962.
A produção dos espetáculos era cara, demorada e tinha que se pagar na bilheteira. Cartazes e programas faziam tiro ao alvo com o retrato laudatório das vedetas e as longuíssimas pernas das suas girls, bailarinas ou coristas, nomes diferentes para a mesma exibição de tentações carnais embrulhadas em plumas e lantejoulas. As ilustrações têm traço preciso, acentuando o contraste entre a carne nua e a exiguidade dos adereços e roupas. Obra de artistas hoje esquecidos, em muitos casos ligados directamente à cenografia dos espetáculos, vemos nestas imagens ecos de um glamour parisiense e, sobretudo, uma caricatura gráfica de pernas irreais para os padrões anatómicos indígenas. Não por acaso, a importação de pernas estrangeiras de proporções mais generosas abrilhanta os elencos da Revista, cumprindo a tradição ancestral das espanholas e italianas dos teatros elegantes do século XIX.

Programa de O Que é Bom é P'ra se Ver!, produção de Giuseppe Bastos, ilustração de Lopes Alves, 1963
- Programa de Pois, Pois…, produção de Giuseppe Bastos e Vasco Morgado, 1967
As ilustrações e capas dos programas foram restauradas digitalmente
Fontes
http://espreitarportugal.blogspot.com
Portugal Século XX – Crónica em imagens 1960-1970, Joaquim Vieira, Círculo dos Leitores, 2000
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