
Os bonecos em madeira de Tom (Thomaz de Mello, 1906-1990) desempenharam um papel importante na propaganda dos valores do Estado Novo, quer na decoração de habitações particulares quer em feiras internacionais e exposições de artes decorativas. Com o patrocínio do SPN, Tom iniciou a coleção em 1939, com uma dezena de figuras onde pontuavam o pastor de Trás-os-Montes, a varina, a florista, a lavadeira dos arredores de Lisboa, raparigas da Estremadura e do Minho, uma pastora e uma ceifeira. O sucesso pode medir-se também pela sua extensão a séries dedicadas a marcas e estabelecimentos comerciais, como a SACOR, Loja das Meias, Adega Machado ou os perfumes Nally. Ou a inúmeras réplicas de autoria nem sempre esclarecida. Tom não deixou memória exata sobre a criação dos seus bonecos mas em artigo da revista Renascença, de 1 de janeiro de 1940, o escritor e jornalista Adolfo Simões Müller, com quem Tom já se tinha cruzado na revista infantil O Papagaio, dá notícia do arranque da coleção e anuncia para muito breve a produção de um presépio e de uma Nau Catrineta. Em Wooden figures by Tom, folheto-catálogo posterior mas de data incerta, é apresentada uma série contínua de 36 figuras e, com numeração avulsa, muitas outras, como um par fadista, Luís de Camões, e uma banda filarmónica, numerada de 101 a 110.





Gradualmente, os bonecos em madeira de Tom foram ampliando a sua notoriedade, tornando-se presença assídua nos projetos de decoração do próprio Tom e na difusão do artesanato nacional em feiras e exposições, como a de Chicago, em 1950. Os bonecos em madeira ao torno não foram uma invenção de Tom. Para além da influência de bonecos de outras paragens, desde a União Soviética à Suiça, talentosos decoradores como Fred Kradolfer, Carlos Botelho ou Bernardo Marques criaram bonecos, geometricamente simplificados e sem qualquer pintura realista, para a decoração de dioramas e infografias tridimensionais nas exposições patrocinadas por organismos oficiais e empresas privadas ao longo dos anos 30. A componente lúdica dos bonecos de madeira foi gradual e estava presente de forma mais acentuada, nos bonecos de um outro relevante artista, Piló, cujo dinamismo escultural e proporções anatómicas acentuavam o seu papel de «caricatura em volume», expressão usada também para caraterizar as figuras tridimensionais de Zé Penicheiro, que se entreteve a retratar a fauna humana do litoral norte. Embora menos ambiciosas e sistemáticas, as abordagens de Piló e Zé Penicheiro tinham semelhanças com a de Tom, propondo uma iconografia assente em tipos identitários da cultura e tradição portuguesas.


O jornal Lourenço Marques Guardian, de 6 de agosto de 1949 confirma a popularidade dos bonecos de Tom, apesar dos tipos regionais da primeira série estarem confinados à metrópole: «Quer prendar uma pessoa amiga gastando pouco dinheiro, e não sabe com quê? Compra um boneco “Tom” e oferece. Seja homem, senhora, menina ou criança! O turista vem a Lourenço Marques. Quer levar para a sua terra uma recordação típica de Portugal. Compra um boneco “Tom”. E assim, de maneira pouco dispendiosa, tem um motivo alegre, simples, para se recordar do Portugal hospitaleiro. É a propaganda no estrangeiro. É a atracção turística».

A segunda série, intitulada «Bonecos Regionais Portugueses», terá começado no início da década de 70, com 25 peças que revisitam muitas das figuras da série inicial. Novamente de pinho, ou já de faia, e sempre esculpidas ao torno, têm a silhueta atualizada em volumes mais redondos e oblongos, influência provável do cinema de animação e dos brinquedos de plástico. Os braços e mãos são agora volumes geométricos puros, cilindros e esferas, que anulam qualquer realismo anatómico e dão ênfase ao corpo central e à cabeça. Tal como na série anterior, Tom monta uma próspera indústria, baseada na sua loja Artécnica, na Rua Capelo, ao Chiado. Na pintura dos bonecos pontuavam colaboradores dedicados, muitas vezes recrutados na vizinha Escola das Belas-Artes. Naturalmente, a figuração dos rostos e as cores aplicadas respeitavam um modelo-base proposto por Tom, mas davam espaço à criatividade e virtuosismo dos artífices, garantindo o selo de peças únicas.






Fonte: Tom, Jorge Silva, Arranha-céus, 2020
Agradecimentos: Ana Maria Pessoa, Ana Pessoa Pinharanda, Catarina Portas, Guilherme Parreira, Rita Ferrão, Rui Parreira
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