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histórias da ilustração portuguesa

O canto do cisne

A apologia do Ocidente, João Fazenda, 17 novembro 2001

O suplemento do Público Mil Folhas bem pode ser considerado um último fulgor da ilustração editorial nos jornais portugueses na viragem do século. A crise na imprensa diária e semanal vinha para ficar e colaborações externas como a ilustração editorial estavam prontas para o sacrifício. Herdeiro do suplemento Leituras, o Mil Folhas versava literatura e livros, música clássica, jazz e artes plásticas. O seu design dependia essencialmente da ilustração, com metáforas graficamente sintéticas, com uma primeira página a pretender-se cartaz. O que não era prática fácil em Portugal. Não por acaso, as maquetes do projecto foram feitas com ilustrações-exemplo de artistas estrangeiros. No interior, as ilustrações tinham proporções generosas e, não raro, cobriam as duas páginas do plano. A escolha privilegiava técnicas pesadas como a pintura a acrílico, a simplicidade figurativa a ser redimida  pela densidade e sofisticação matérica. A publicação começou em 5 de outubro de 2000 e logo com uma primeira página de André Letria que, pura coincidência, mimava uma das maquetes, com ilustração pirateada de Art Spiegelman. Nos primeiros tempos do suplemento, Letria e Gonçalo Pena foram colaboradores recorrentes, ilustrando com brilho o conceito original. A ilustração sobre o Marquês de Sade e a sua prisão na Bastilha, fica como expoente máximo da mistura concentrada de simplicidade conceptual e sofisticação gráfica.

Regresso a Sodoma: Sade, André Letria, 6 janeiro 2001

Maquete (ilustração de Art Spiegelman), verão 2000; A caverna de Saramago, André Letria, 11 novembro 2000

Saul Bellow: em busca do tempo perdido, Gonçalo Pena, 25 novembro 2000

Ao longo de 2001, as ilustrações perdem  gradualmente a esquadria retangular, recortam-se sobre o branco e a tipografia ganha nitidez no contraste com o papel. Entram em cena os ilustradores digitais André CarrilhoJoão Fazenda e Luís Lázaro. Em 2001, a ilustração digital tinha atingido um excelente nível  e mesmo a acidez figurativa de Lázaro permitiu algumas das mais belas capas do suplemento. O Mil Folhas iniciou com Fazenda uma emocionante e proveitosa série de retratos que não deviam nada aos dotes caricaturais do inultrapassável Carrilho e ao academismo crónico nesta disciplina da ilustração, tão mal-amada pelos ilustradores portugueses. A primeira pedra deste caminho foi o escritor Anton Tchékhov na primeira página de 8 de setembro de 2001. E foi uma das justamente premiadas páginas no concurso do SND (Society for News Design) de 2002. Outros ilustradores passaram ainda pelo Mil Folhas: Alex Gozblau, Alice Geirinhas, Fernando Mateus, José Eduardo Rocha, Miguel Rocha, Paula Migalheiro. Em 12 de Janeiro de 2002, Alex Gozblau fechava esta série contínua de ilustrações com uma primeira página sobre Shakespeare. Incapaz de garantir espaço publicitário que o auto-financiasse, o Mil Folhas teve que reduzir custos, e passou a ser maioritariamente fotografado até ser absorvido pelo suplemento Y, já em 2007.

Anton Tchékhov, João Fazenda, 8 setembro 2001

Que livros para entender o Islão?, Luís Lázaro, 1 dezembro 2001

Reizinho no Inferno, João Fazenda, 20 outubro 2001

Harald Szeemann, o comissário da vanguarda artística europeia, André Carrilho, 27 outubro 2001


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