Velai pelas crianças, 1931
«Na capital do Norte, mais de 30 por cento das crianças, no primeiro ano da sua existência, vão para o cemitério». Em 1931, o Almanaque d’O Século denunciava, no artigo «Velai pelas crianças», a elevada mortalidade infantil das principais cidades portuguesas. Criado em 1897, o Almanaque Ilustrado do Jornal o Século cumpria a miscelânea sacramental dos almanachs da época: cultura geral, informação útil, anedotas e passatempos. Mas o almanaque d’O Século acrescentava também a matriz jornalística da casa e publica, a partir dos anos finais da Monarquia, peças de estatística com indicadores que hoje se enquadrariam no Índice de Desenvolvimento Humano, bitola para avaliar o grau de barbárie e civilização das nações. Em comparação regional ou internacional, sobretudo com outros países da Europa, os indicadores publicados no almanaque d’O Século, apimentados ainda pelo curso assustador da Primeira Grande Guerra, tinham óbvia intenção pedagógica e inseriam-se no programa reformador das elites republicanas que dominavam a vida intelectual portuguesa desde a monarquia constitucional. A crescente asfixia da comunicação social pelo Estado Novo, a partir dos anos 30 ditou, provavelmente, a extinção destas peças jornalísticas, cujas conclusões não bateriam certo com a propaganda do regime.
A ilustração assume um papel relevante nestas peças editoriais. Anónimas durante as primeiras edições, as infografias serão assinadas, a partir de 1916, por Rocha Vieira (Angra do Heroísmo, 1883-Lisboa, 1947), que será colaborador das publicações da empresa d’O Século durante quarenta anos. Rocha Vieira teve uma prolífica carreira na ilustração, cartune e banda desenhada, e a seu crédito a criação da primeira tira diária de jornal, em 1920, da primeira banda desenhada realista de continuação («Aventuras Extraordinárias de Jorginho» no ABC-zinho em 1921), e da primeira prancha dominical de jornal, em 1922. Enquanto o sociólogo austríaco Otto Neurath desenvolvia o sistema ISOTYPE (International System of Typografic Picture Education), a partir de meados da década de 20, matriz dos pictogramas que ainda hoje conhecemos da infografia e da sinalética, Rocha Vieira entretinha os leitores na figuração académica e descritiva, baseada muitas vezes na iconografia típica do desenho de humor. O resultado artesanal das páginas do almanaque d’O Século tem hoje o seu encanto, mas andava longe dos modernistas contemporâneos, como Jorge Barradas, Bernardo Marques ou Roberto Nobre. Este último executa uma rara infografia, em 1930, para o mesmo almanaque, onde aplica a sua gramática, ainda assim bem longe das pesquisas abstratizantes de Gerd Arntz, artista plástico alemão, convidado a criar as representações figurativas do ISOTYPE, sob a orientação de Otto Neurath.
O deleite, masoquista, por estas pioneiras infografias preserva ainda hoje o seu cariz pedagógico: compreendemos facilmente a razão dos ainda lamentáveis indicadores contemporâneos que atrapalham a economia e a cultura portuguesas.
Custo da vida e o salário, 1930
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O analfabetismo nos exércitos, 1919
O analfabetismo, 1916
População do Mundo, 1919
Há mais livros que leitores, 1930
Tonelagens da Primeira Grande Guerra, 1921
Os que nos guardam a nós, 1930
O êxodo dos trabalhadores, 1931
Um ano de Teatro em Portugal, 1930, ilustração de Roberto Nobre
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As ilustrações foram restauradas digitalmente
Fontes
Dicionário dos Autores de Banda Desenhada e Cartoon em Portugal, Leonardo de Sá e António Dias de Deus, Edições Época de Ouro, 1999
Agradecimento a Luís Taklim
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