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histórias da ilustração portuguesa

La Maison

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A Exposição Internacional de Paris de 1937 aconteceu num clima de pré-guerra, com a crescente afirmação dos regimes e ideologias totalitários de sinais opostos. As pesadas máquinas de propaganda da Alemanha e da União Soviética digladiavam-se em Paris, com os seus pavilhões postados frente a frente na avenida principal. Em plena Guerra Civil, o pavilhão de Espanha exibia a Guernica de Picasso e Portugal, esse, passava por entre os pingos da chuva, pretendendo legitimar as políticas interna e colonial do Estado Novo e exibindo orgulhosamente a sua especificidade regional. Para Paris, António Ferro e o seu Secretariado da Propaganda Nacional (SPN) prepararam uma representação triunfal que cortou com a visão historicista da presença portuguesa em Exposições anteriores. Bordejando o rio Sena, o pavilhão português foi projetado por Keil do Amaral e uma formidável equipa de artistas decoradores, que integrava Fred Kradolfer, Bernardo Marques, Tom e Carlos Botelho, encarregou-se do design expositivo.

Várias publicações serviram a presença portuguesa em Paris. A mais impressionante terá sido o álbum Quelques Images de L’Art Populaire Portugais ilustrado por Paulo Ferreira. Com outros parâmetros, os do retrato académico, o pintor Eduardo Malta ilustrou uma sumária viagem pelos povos e raças do Império em formato de bilhete postal, Types de L’Empire Portugais. E, por fim, uma curiosa brochura-catálogo, La Maison Portugaise à Travers les Âges, onde Jorge Barradas (Lisboa, 1894-1971), ilustrador de elegâncias femininas nos anos vinte, (ver as glamourosas capas do ABC no post Em flagrante delírio), descreve, em doze ilustrações, várias tipologias tradicionais e urbanas da arquitetura portuguesa. As imagens noturnas e lúgubres, sem vivalma, não pareciam enquadrar-se no virtuosa art deco que abundava na propaganda do SPN. Mas o que parece ter sido um erro de casting na época, ganhou uma deliciosa patine durantes estes 75 anos. O casario de Barradas ganha uma terceira cor com a sobreposição grosseira das cores diretas e o traço anónimo confere à obra um encanto rústico, que foi exemplo das forças contraditórias que condicionaram as artes plásticas e gráficas portuguesas durante o Modernismo.

La Maison

The 1937 World Fair in Paris took place in a pre-war atmosphere with totalitarian regimes and ideologies on opposite camps behaving in increasingly assertive ways. Powerful German and Soviet propaganda machines battled with one another from pavilions that faced each other across the main avenue. In the midst of their civil war, the Spanish pavilion exhibited Picasso’s Guernica, while Portugal wanted to avoid problems. But it wanted to assert the legitimacy of Salazar’s domestic and colonial policies and proudly display its regional difference. António Ferro and his State Propaganda Bureau prepared for Paris a triumphant representation to sever the historicist view of Portugal in previous fairs. The Portuguese pavilion on the bank of the Seine was designed by the architect Keil do Amaral and a wonderful team of decorative artists, which included Fred Kradolfer, Bernardo Marques, Tom and Carlos Botelho, was in charge of the exhibition plan.

Various publications served to present Portugal and the Portuguese. The most striking was the Quelques Images de L’Art Populaire Portugais [Some Images of Portuguese Popular Art], an album illustrated by Paulo Ferreira. With a different framework, that of classic portraits, the painter Eduardo Malta illustrated Types de L’Empire Portugais, a rapid voyage in postcard form across the Portuguese Empire, its peoples and races. And lastly, a strange brochure-catalogue, La Maison Portugaise à Travers les Âges [Portuguese Houses throughout the Ages] in which Jorge Barradas (Lisbon, 1894-1971), women’s fashion illustrator in the 1920s (see the glamorous ABC covers in the In flagrant delirium post) describes several traditional and urban typologies of Portuguese architecture with twelve illustrations. Gloomy depictions of night-time without a living soul in them hardly seemed to fit within the worthy framework of Art Deco that Ferro’s propaganda was filled with. But what then looked like a casting mistake has gained a delicious patina these last 75 years. Barradas’ mansion gains a third colour with the coarse overlapping of direct colours and an anonymous drawing style bestows rustic enchantment to the work, an example of the contradictory forces that influenced Portuguese art and graphics during the modernist period.

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Ilustrações

Manoir de la contrée de Beira / Ancien quartier des juifs, Lisbonne / Cour du Bourreau, Lisbonne / Maison du XV.ème siècle, Lisbonne / Casa da Nau, Renaissance italienne, Coimbra / Maison typique du XVI.ème siècle, Lisbonne / Maisons à Olhão, Algarve / Rua da Regueira, quartier populaire de Alfama

maison capa

Fontes Sources

http://lusatrilogia.com/expo-paris-1937

http://www.flickr.com/photos/biblarte/sets/72157624844432503

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Em flagrante delírio

Os night clubs são os lugares de eleição dos loucos e felizes anos 20, após a recessão imediata à Primeira Guerra Mundial. A inflação galopante, o florescente mercado negro e a especulação eram o caldo de cultura de uma sociedade nova-rica, ostentatória e frenética. A música das jazz-band, o charleston, o sexo e a cocaína davam a vertigem às noites que só acabavam de dia, atraindo até a cobiça de bandos criminosos como a Legião Vermelha. Havia o Maxim’s, instalado no imponente Palácio Foz à Praça dos Restauradores. Havia o Avenida Parque, mais acima, no Palácio Mayer da Avenida da Liberdade. E o Clube dos Patos, no Largo do Picadeiro. E alguns mais, todos compreendidos na estreita área entre o Chiado e a Avenida. E o mais moderno de todos, o Bristol Club, que ostentava nas suas paredes o escol dos artistas modernos, com a Pintura Decorativa de Nu de Almada Negreiros logo à entrada. A modernidade do Bristol refletia-se também na inovadora campanha publicitária que fez nas capas do Magazine ABC em 1927.

A maior parte das publicidades ficou nas mãos de Jorge Barradas (Lisboa, 1894-1971). São as melhores capas do ilustrador, que numa longa colaboração iniciada em 1920, fecha com esta série a ilustração cosmopolita e moderna no ABC. A partir de 28, sucedem-se os campinos, as saloias e as fotografias das vedetas do cinema, acompanhando o declínio da revista, numa agonia pró-regionalista que se fina em 1931. Barradas é o mais estimado dos modernistas dos anos 20. Ilustrador predestinado das elegâncias lisboetas, Barradas vai ensaiando ao longo da década a fusão entre o oitocentismo naturalista e o modernismo decorativo e citadino. Enquanto pinta varinas, saloias, mendigos e bêbados, assina também estas feéricas ilustrações para o Bristol Club. Papillons roliças, apanhadas em flagrante delírio, voltam a cabeça para o leitor, afetando poses lânguidas e falsos pudores. Todos os recursos gráficos (e também a ternura) de Barradas se aprimoram nestes rostos de patética humanidade, girls perdidas nas loucas madrugadas dos night clubs lisboetas.


ABC 353, 21 Abril 1927

ABC 358, 26 Maio 1927

ABC 361, 16 Junho 1927

ABC 362, 23 Junho 1927

ABC 371, 25 Agosto 1927

ABC 374, 15 Setembro 1927

ABC 383, 17 Novembro 1927

Fontes:

Os Night Clubs de Lisboa dos anos 20, Júlia Leitão de Barros, Lucifer Edições, 1990

Jorge Barradas, António Rodrigues, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1995

Ilustração em Portugal I, Theresa Lobo, IADE Edições, 2009


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