1930 foi um ano fecundo para as publicações cinematográficas. A 15 de abril saía a Crónica Cinematográfica, a 1 de maio o primeiro jornal impresso em rotativa, o Kino e, a 10 do mesmo mês, vinha para a rua a revista quinzenal Imagem, que tinha como redator principal José Gomes Ferreira e como diretor Chianca de Garcia. Este frenesi editorial à volta da sétima arte, tinha-se acentuado na década de vinte, somando 50 títulos para responder à crescente cinefilia do público. No final da década, a lotação das salas de cinema de Lisboa (20 mil lugares) ultrapassou pela primeira vez a dos teatros (15 mil). As publicações especializadas da época oscilavam entre o fascínio por Hollywood e os pífios sucessos domésticos, sem esquecer as querelas à volta do emergente cinema sonoro, ou a relevância de Charlie Chaplin na indústria. Pelo seu perfil editorial essencialmente noticioso, a Crónica Cinematográfica não se envolveu em polémicas acesas, embora manifestasse preferência pelo cinema mudo «Porque, se quisermos a palavra, marcamos o nosso bilhete no teatro e não vamos ao cinema» e apontasse regularmente as crónicas mazelas do cinema português.
Produzida na melhor oficina gráfica da época, a Bertrand, Irmãos, Lda., a Crónica Cinematográfica vestia a Art Deco a rigor, com a sua impressão monócroma, que antecipava as glamourosas revistas impressas em rotogravura, o soberbo cabeçalho degradé da capa e retratos de estrelas em pose postal para fãs. Mas o tema gráfico mais notável da revista foi a publicidade: todos os anúncios, da página inteira ao rodapé, foram monopolizados pelo designer e ilustrador Lázaro, que oferecia figuração estilizada e um verdadeiro catálogo de tipografia modernista para automóveis, chapéus, vinhos, tabacos, relógios e fogões, sem esquecer os celebrados perfumes Nally. O objetivo tinha referência expressa no número 15: «Ao brilhantismo com que apresentámos a publicidade dos nossos comerciantes, idéias originais, desenhos sugestivos e modernas composições correspondeu ainda mais afluência de Publicidade». Abordagem já corrente em revistas como a Civilização, não resistiria muito tempo ao advento dos estúdios de design e agências de publicidade profissionais como a ARTA e a ETP. Lázaro Côrte-Real, outro ilustre desconhecido das artes visuais portuguesas, pontuava pelos magazines da época como ilustrador, mas teve na Crónica um papel essencial. Sem o rigor estilístico de Fred Kradolfer, a quem toda a publicidade nacional dos anos vinte tanto ficou a dever, Lázaro exercita no chiaroscuro os estereótipos da Art Deco, da figuração masculina geométrica e caricatural, a lembrar a negritude das jazz-bands, à figuração feminina, caligráfica e de tonalidades suaves, onde Lázaro capricha numa subtil e repetida torção de pescoço.
Com formato de revista e 8 páginas ao preço de 50 centavos, a Crónica Cinematográfica – Diário da Noite tinha como diretor Magalhães de São Boaventura e redator principal e editor Mota da Costa. No inevitável editorial do primeiro número a Crónica assumia que «nasceu de um optimismo que a muitos parecerá loucura» depois de zurzir no fado indígena: «o povo português é retrógrado, é descrente, o povo português é pessimista por temperamento; esse o seu maior defeito». Afinal, o fatalismo luso acabou por contaminar a revista: ao número 15, já a Crónica não aguentava o voraz ritmo diário. A explicação era curiosa: «uma crise de fartura» na entrada de anunciantes e nas vendas implicava uma tiragem maior, incomportável na modesta impressão em máquina plana. E assim passou a semanário, duplicando as páginas pelos mesmos cinco tostões. A partir do número 18, querelas internas forçam a saída de Boaventura e Mota da Costa passa a diretor. Em 24 de junho, ao número 23, a revista suspende-se por razões administrativas. Simultaneamente, a empresa Pró-Arte, Lda., sua proprietária, responsabiliza o primeiro diretor, Magalhães de São Boaventura, pela desorganização da revista e processa-o no Tribunal da Boa Hora. A curta vida da Crónica Cinematográfica dava um filme.
Bibliografia
Portugal Século XX – Crónica em Imagens, 1920-1930, Joaquim Vieira. Círculo de Leitores, 1999
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