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Riquezas de Portugal

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É sempre assim. Em tempos de crise, lambem-se as feridas com saliva patriótica. Redescobrem-se incontáveis maravilhas indígenas, motor de inflamada fé no futuro. Em 1925, Portugal arrastava-se pelas ruas da amargura, com a economia deprimida, uma classe política desacreditada e um endividamento assustador de 134 milhões de dólares. Os jornais, se faziam parte do problema servindo as várias capelas partidárias, assumiam-se também parte da solução, promovendo iniciativas para levantar a moral pública e fomentar o empreendedorismo dos leitores. Equivalentes aos colecionáveis de discos e livros atuais, criavam singelos concursos de corta e cola, valorizando um trabalho manual que hoje seria um verdadeiro tiro no pé. Para colar os cupões, havia caderneta que, completa, dava direito a senha numerada, habilitando o concorrente aos prémios… e o jornal à fidelização dos leitores. A meio de agosto de 1925, o Diário de Notícias iniciou o concurso Riquezas de Portugal, 50 cupões publicados diariamente na página dois em jeito de adivinha. As riquezas eram as do costume e ainda agora, com o empurrão das indústrias criativas, aí estão pr’a dar e vender. Às maravilhas do retângulo europeu juntava-se uma mão cheia de recursos coloniais como a Borracha, o Marfim ou o Ópio, oriundo de Macau, cujo texto de acompanhamento, bastante sugestivo, candidatava o país ao estatuto de narco-estado:

Não somos só abundantes
No continente europeu
Mas lá nas terras distantes
Onde Confúcio viveu.
 
Ali – chinezas gentis –
Dizei-nos o que tomais,
Que tão risonhas dormis?
Que tão risonhas sonhais?

O comentário social tem uma rara aparição, e ainda assim cómica, na curiosa Riqueza n.º 14, a Lagosta.

Sua carne delicada
Nos rochedos escondida,
E’ com afan procurada
Para aos ricos ser servida
 
Comida que sò se instala
Na mesa muito bem posta
Ao povo custa a compra-la,
Mas gostar… isso lá gosta!

O cabeçalho das Riquezas foi desenhado por Calderón Dinis (Lisboa, 1902-1994), ilustrador, contista e editor, funcionário do Diário de Notícias durante 54 anos. As imagens diárias afinavam pelo traço mais ligeiro de Narciso Morais e, sobretudo, pela habitual competência na representação e composição do seu pai, Alfredo Moraes(Lisboa, 1872-1971). As exceções são a capa da caderneta, da autoria de Elsa Althausse, aparentadas ao grafismo moderno das capas que desenhou para o magazine ABC, e uma paródica intervenção de Laura Costa para a Borracha. As ilustrações das Riquezas ganharam uma espécie de intemporalidade ficcional, baseada em costumes e trajes regionais standardizados prolongando o naturalismo rançoso de Oitocentos e uma visão romântica do mundo rural. As rudimentares indústrias de extração e transformação, tinham no pacato folclore nacional uma justa expressão.

The Riches of Portugal
It’s the same old story. At a time of crisis, people lick their wounds with patriotic saliva. Countless national marvels are rediscovered to fuel faith in the future. Portugal was down in the dumps in 1925, its economy had collapsed, its politicians were discredited and there was a frightening debt of 134 million dollars to pay. Newspapers, which were part of the problem as they served different political party interests, were also part of the solution as they advanced ideas to lift people’s spirits and encourage their entrepreneurial spirit in particular. As nowadays their offer music and book collections, newspapers then organised simple competitions involving cut and paste, manual work of a kind that would be like shooting oneself in the foot nowadays. Coupons were cut out and pasted into a notebook that once filled entitled a person to a number that could win a prize … and loyalty among the readers. In mid-August 1925, the Diário de Notícias launched its Riches of Portugal competition and 50 coupons as forms of brainteasers came out daily on page two. The riches were the usual ones and even today, shoved forward by creative industries, they’re still out there and selling. The marvels from our rectangular country in Europe were joined by a handful of colonial raw materials such as Rubber, Ivory and Opium. The last came from Macao in China, and the accompanying text hinted that it was something of a narco-state:

We aren’t that many
In Europe itself
But in far-off lands
Where Confucius lived
There – sweet Chinese girls –
Tell us what you take,
To sleep and smile so blissfully?
To dream and smile so blissfully?

Social commentary makes a rare and even rather amusing appearance in the bizarre Richness Nº 14 –  Lobsters.

Its delicate flesh
Hidden among rocks
Is greatly sought-after
To serve up to the rich
As food that is presented
At well-appointed tables
It’s too costly for others
But like it … that they do!

The newspaper header for Riches was designed by Calderón Dinis (Lisbon, 1902 – 1994), illustrator, short story writer and editor, who worked at Diário de Notícias for 54 years.  The daily illustrations were done by Narcisco Morais, who had a lighter drawing style and, above all, by his father, Alfredo Moraes (Lisbon, 1872-1971), with his customary representational and compositional skills. The exceptions are the notebook cover, which was done by Elsa Althausse in a modern graphic style similar to what she used for the ABC magazine, as well as Laura Costa’s humorous work for Rubber. The illustrations for Riches have gained a kind of fictional timelessness on the basis of standardised regional customs and costumes that protracted 19th-century stale naturalism and romantic vision of the rural world. Portugal’s basic extraction and transformation industries were given their just expression in the package labelled national folklore.

 

3s

6 borracha s

14 lagosta s

25 laranjas s

31 volframio s

40s

42 tabaco s

47 marfim s

As 50 Riquezas por ordem de publicação: Vinho, Sal, Trigo, Lã, Milho, Borracha, Calçado, Maçã, Açúcar, Sardinha, Bordados da Madeira, Azeite, Cacau, Lagosta, Algodão, Manteiga, Rendas de Peniche, Cortiça, Gado, Ourivesaria, Madeiras, Ovos, Centeio, Chapéus, Laranja, Queijo, Diamantes, Batata, Cera de abelhas, Cerâmica, Volfrâmio, Uvas, Tecidos, Atum, Linho, Mel, Mármores, Arroz, Cutelaria, Ópio, Ananaz, Tabaco, Figo, Café, Alfarroba, Marfim, Doçaria, Conservas e Chá.

The 50 Riches were in order of publication: Wine, Salt, Wheat, Wool, Maize, Rubber, Footwear, Apples, Sugar, Sardines, Madeira Embroidery, Olive Oil, Cocoa, Lobsters, Cotton, Butter, Peniche Lace, Cork, Cattle, Goldsmithery, Wood, Eggs, Rye, Hats, Oranges, Cheese, Diamonds, Potatoes, Beeswax, Ceramics, Wolfram, Grapes, Textiles, Tuna, Linen, Honey, Marble, Rice, Cutlery, Opium, Pineapples, Tobacco, Figs, Coffee, Carob Beans, Ivory, Confectionery, Tinned Products and Tea.

Fontes Sources

Dicionário dos Autores de Banda Desenhada e Cartoon em Portugal, Leonardo de Sá e António Dias de Deus, Edições Época de Ouro, 1999

Portugal Século XX, Crónica em Imagens, 1920-1930, Joaquim Vieira, Círculo dos Leitores, 2000

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