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histórias da ilustração portuguesa

Pápim e Pápusse

Papusse papão

Pápusse entrou na Academia de Belas Artes do Porto aos dez anos, depois de maravilhar a família e a vizinhança com o seu talento para o desenho e a imitação de um selo que enganou os próprios Correios.
Pápim escreveu muito para crianças, obcecado pelas recordações da sua infância. Ligado à primeira geração modernista, criou em 1916 a revista Exílio – Revista Mensal de Arte, Letras e Ciência. Mas começou como poeta simbolista na romântica revista Águia. Pápim era a sua alcunha de miúdo.
Pápusse, retratista afamado de princesas e banqueiros, dedicou cinco anos, a partir de 1925, à ilustração de revistas e livros infantis, sobretudo os do seu amigo Pápim.
Pápim imprimia nos seus livros um ex-libris com a divisa Ab Imo Pectore/Aequo Animo (Do fundo do meu coração/Com serenidade). Outra figura recorrente nas suas obras era o Papão, sequela provável dos seus medos de infante e adolescente, à conta de um pai prematuramente falecido e de uma mãe romântica e pouco disciplinadora.
Pápusse desenhou capa e vinhetas para o Auto da Vida Eterna, livro de 1925 onde seu amigo Pápim flirtava com a vida para além da morte.
Pápim já usava Pápusse no seu célebre poema “O Preto-Papusse-Papão”, do livro O Mundo dos Meus Bonitos, publicado em 1920, reminiscência das aliterações e onomatopeias típicas das suas primeiras poesias.
Pápim inventou o Pim-Pam-Pum! em dezembro de 1925, suplemento infantil do jornal O Século, de que foi diretor durante 15 anos. O suplemento era uma resposta direta ao concorrente Diário de Notícias e o seu Notícias Miudinho, saído no ano anterior.
Pápusse foi o diretor artístico do Pim-Pam-Pum!, o mais duradouro suplemento infantil português, extinguindo-se com o jornal em 1977. Algumas das histórias publicadas haveriam de renascer numa deliciosa coleção de oito álbuns, a Biblioteca Pim-Pam-Pum!. Em 1926, os  n.º 1 e n.º 6 da Biblioteca, Barraca de Fantoches e Aventuras Cómicas são os primeiros álbuns de quadradinhos infantis publicados em Portugal.
Pápusse, o virtuoso pintor, mostra-se estranhamente tosco na ilustração para crianças. O traço despachado colava aos modernos Cottinelli Telmo e Carlos Botelho, mas o claro-escuro era bem de outra época e, para mais, sem o fulgor dos académicos de serviço, Rocha Vieira, Alonso ou Alfredo de Morais. Pápusse abandona o suplemento em abril de 1930, substituído por Rodriguez Castañé.
Pápim escreveu quatro dos oito álbuns da Biblioteca, um sortido de narrativas em prosa verso, alternando as crianças traquinas com reis e princesas de era uma vez…. Os quatro restantes foram escritos por Graciette Branco, José Rau, uma precoce Maria Leonor Lima Brandes (com apenas 12 aninhos) e o próprio Pápusse.
Pápusse era muito dado ao auto-elogio. Com apenas 29 anos escreveu o seu primeiro livro de memórias, Montanhas Russas. A prever as grossas bordoadas que haveria de apanhar pela vida fora à conta do seu academismo, imprimiu nele a dedicatória: “Reconhecidamente, a quantos resolveram não me querer bem”. Tu-cá-tu-lá com a fina-flor de vários regimes, do Estado Novo português à periclitante monarquia espanhola, da efervescente intelectualidade carioca às stars de Hollywood, a todos retratou com carnalidade sugestiva e pose majestática, grangeando reputação planetária. Adepto da pintura ao natural, repudiava a fotografia como modelo. Em 1938 gabava-se de ter feito o único retrato pintado de Salazar.
Pápim haveria de criar, em 1943 o Teatro de Mestre Gil, pioneiro teatro de marionetas para educação de crianças e adultos. Os fantoches seriam de Júlio de Sousa e os textos de Luís de Oliveira Guimarães, Afonso Lopes Vieira e do próprio Pápim.
Pápusse pincelou em tríptico as raças portuguesas de além-mar para a I.ª Exposição Colonial Portuguesa, em 1934. Alguns dos desenhos preparatórios seriam reciclados para Types de L’Empire Portugais, uma coleção de postais editada para a presença do regime na Feira de Paris de 1937.
Pápim, a um ano da saída do Pim-Pam-Pum!, dirige em 1939 o semanário humorístico A Risota, mas a caricatura de Salazar dançando o can-can com Mussolini e Hitler cortou rente a vida do jornal.
Pápusse destacará mais tarde, no seu livro de memórias Retratos e Retratados, de 1938, as peripécias de uma encomenda de Primo Rivera, no meio da atribulada vida política e sentimental do caudilho na capital espanhola. Apesar da inépcia hípica do modelo, o retrato equestre de Rivera abriu portas para outras realezas.
Pápim publicou, em 1932, Zé Trapo, Zé Trepa, Zé Tropa, Zé Tripa, com ilustrações de Stuart; A Bolinha Mágica, com Arcindo Madeira; em 1937, De Marçano a Milionário, com ilustrações de Raquel Roque Gameiro; e em 1952 A Princesa Estrelinha, com Otelo Azinhais. Em 1954 saía A História do Nosso Amor – O livro de Oiro dos Noivos e Bencasados, livro-souvenir com requintadas ilustrações de Raquel.
Pápusse ilustraria, entre 1925 e 1927, obras para crianças de outros escritores, como O Palhaço Francês, de Maria Helena, História de Rosalinha, de Graciette Branco (mulher de Pápim), A Asa Branca, de Pussy Taddei-Mantegazza e O Rouxinol e o Grilo, de Emília de Sousa Costa. A gramática gráfica destes livros, publicados entre 1925 e 1928, em nada se distinguia da Biblioteca Pim-Pam-Pum!.
Pápim era o escritor Augusto de Santa-Rita (Lisboa, 1888-1956).
Pápusse era o pintor Eduardo Malta (Covilhã-1900-Óbidos, 1967).

Eduardo Malta 01

Eduardo Malta 02

Eduardo Malta 03

Pápim and Pápusse

Pápusse got a place at the Porto Fine Arts Academy at the age of ten after amazing his families and neighbours with his drawings skills and managing to make a copy of a stamp that even fooled the Postal services.
Pápim wrote a great deal for children, obsessed as he was by his childhood memories. He was connected to Portugal’s first modernist generation and started up the magazine Exílio – Revista Mensal de Arte, Letras e Ciência in 1916. But he began as a symbolist poet in the romantic magazine Águia. Pápim was his boyhood nickname.
Pápusse, a renowned portraitist of princesses and bankers spent five years starting in 1925 illustrating children’s magazines and books, especially those written by his friend Pápim.
Pápim had an ex-libris with the motto Ab Imo Pectore/Aequo Animo (From the bottom of my heart/With composure) printed in his books. Another frequent character in his work was Papão [a bogeyman], probably because of his fears as a child and adolescent as a result of his father’s early death and his mother being a romantic and not a great disciplinarian.
Pápusse did the drawings for the cover and vignettes for Auto da Vida Eterna, a 1925 book in which his friend Pápim flirts with the afterlife.
Pápim already used Pápusse in his famous poem ‘O Preto-Papusse-Papão’ in his book O Mundo dos Meus Bonitos, published in 1920, which is evocative of the typical alliterations and onomatopoeia of his early poems.

Pápim created a children’s supplement for O Século newspaper, whose editor he was for 15 years, called Pim-Pam-Pum! in December 1925. The supplement emerged as a direct response to Notícias Miudinho, the children’s supplement that the competing newspaper Diário de Notícias brought out year before.
Pápusse was artistic director of Pim-Pam-Pum!, the longest-lasting Portuguese children’s supplement, which ended along with the newspaper in 1977. Some of their stories were reprinted in a delightful collection of eight albums called Biblioteca Pim-Pam-Pum! In 1926, editions No. 1 Barraca de Fantoches and No. 6 Aventuras Cómicas were the first albums of children’s comics to be published in Portugal.
Pápusse was a highly-skilled and polished painter but his children’s illustrations are surprisingly crude. His swift drawing line was like that of the modernists Cottinelli Telmo and Carlos Botelho, but his chiaroscuro effects belonged to another era and failed to have the energy of run-of-the-mill academics Rocha Vieira, Alonso and Alfredo de Morais. Pápusse stopped working for the supplement in Abril 1930 and was replaced by Rodriguez Castañé.
Pápim wrote a series of stories in prose and verse for four of the eight Biblioteca Pim-Pam-Pum! albums in which tales of mischievous children would alternate with the ‘Once upon a time…’ ones with kings and princesses. The other four albums were written by Graciette Branco, José Rau, the precocious Maria Leonor Lima Brandes (then only 12 years old) and Pápusse himself.
Pápusse was much given to self-praise. He wrote his first book of memoirs, Montanhas Russas, at the age of 29. Foreshadowing the jibes he would receive throughout his life because of his academicism, he wrote in the book’s dedication: ‘In acknowledgment of all those who have decided not to like me.’ On intimate terms with the cream of society, whether members of Portugal’s Estado Novo [New State] regime or the unstable Spanish monarchy, scintillating Brazilian intellectuals or Hollywood stars, he portrayed them in poses of suggestive carnality and majesty, and gained a worldwide reputation. A devotee of real life painting, he declined to paint from photographs. In 1938 he boasted he had painted the only portrait of Salazar.
Pápim created in 1943 the Teatro de Mestre Gil, a pioneering puppet theatre aimed at the education of children and adults. The puppets were created by Júlio de Sousa and the pieces written by Luís de Oliveira Guimarães, Afonso Lopes Vieira and Pápim himself.
Pápusse painted triptychs of Portugal’s overseas races for the 1st Portuguese Colonial Exhibition in 1934. Some of the preparatory sketches were recycled in Types de L’Empire Portugais, a collection of postcards that was part of the Estado Novo’s contribution to the 1937 Paris Exhibition.
Pápim, a year after leaving Pim-Pam-Pum!, became the editor in 1938 of a weekly paper of humour called A Risota, but a caricature of Salazar dancing the can-can with Mussolini and Hitler quickly put an end to the newspaper.
Pápusse in his 1938 book of memoirs, Retratos e Retratados, drew attention to problems caused by a commission to paint Primo Rivera in the midst of the Spanish dictator’s turbulent political and sentimental life in Madrid. Although the model was sadly lacking in horsemanship, the equestrian portrait of Primo Rivera opened doors to other elites.
Pápim published in 1932, Zé Tropa, Zé Trepa, Zé Tropa, Zé Tripa, with illustrations by Stuart; A Bolinha Mágica with Arcindo Madeira; in 1937, De Marçano a Milionário with illustrations by Raquel Roque Gameiro; and in 1952 A Princesa Estrelinha with Otelo Azinhais. In 1954 he brought out A História do Nosso Amor – O livro de Oiro dos Noivos e Bencasados, a souvenir book with sophisticated illustrations by Raquel.
Pápusse illustrated children’s books for other writers between 1925 and 1927: O Palhaço Francês by Maria Helena, História de Rosalinha by Graciette Branco (Pápim’s wife), A Asa Branca by Pussy Taddei-Mantegazza and O Rouxinol e o Grilo by Emília de Sousa Costa. His graphics in these books, which were published between 1925 and 1928, in no way differ from those in Biblioteca Pim-Pam-Pum!.
Pápim was the writer Augusto de Santa-Rita (Lisbon, 1888-1956).
Pápusse was the painter Eduardo Malta (Covilhã,1900-Óbidos, 1967).

Biblioteca Pim-Pam-Pum! 1+2

Biblioteca Pim-Pam-Pum! 3+4

Biblioteca Pim-Pam-Pum! 5+6

Biblioteca Pim-Pam-Pum! 7+8

As ilustrações foram restauradas digitalmente The illustrations were digitally restored

Fontes Sources Augusto de SantaRita: criação literária e vanguarda no século XX, (tese de mestrado), Álvaro Amadeu Gomes Mascarenhas, Universidade de Évora, 2010 Augusto de SantaRita e a criação literária para Crianças, (tese de mestrado), Helena Isabel Caracol Mascarenhas, Universidade de Évora, 2010 Dicionário dos Autores de Banda Desenhada e Cartoon em Portugal, Leonardo de Sá e António Dias de Deus, Edições Época de Ouro, 1999 O Mundo dos Meus Bonitos, Augusto de Santa-Rita, ilustrações de Cottinelli Telmo. H. Antunes e Ca., Rio de Janeiro, 1920 Montanhas Russas, Eduardo Malta. S. editor, Lisboa, 1930 Retratos e Retratados, Eduardo Malta. Editôra S. A. A Noite, Rio de Janeiro, 1938 Vários Motivos de Arte, Eduardo Malta. Portugália Editora, Lisboa, 1952

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