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Maria do Mar

Maria do Mar conta a história de uma paixão impossível entre um pescador da Nazaré e a sua apaixonada, uma mulher com um terrível segredo. O livro de 1928, da autoria de Eduardo Brazão Filho, põe em choque a natureza bruta, ora generosa ora mesquinha, das gentes do mar e a espiritualidade civilizada de uma personagem que não pertence realmente a nenhum lugar. Maria do Mar não era ainda um libelo neo-realista, os arrebatados estados de paixão e renúncia do enredo apresentam a morbidez da literatura do seu tempo e a presença recorrente das duras condições de vida dos pescadores não é motor da ação. Maria do Mar foi um pioneiro do fascínio que as comunidades piscatórias exerceram nas elites intelectuais do Regime e da Oposição, devoção cristalizada na literatura neo-realista de um Alves Redol ou na cinematografia heróica do Estado Novo com o filme Ala Arriba de Leitão de Barros. Que também realizou em 1930 uma Maria do Mar, cujo enredo, embora passado na Nazaré, nada tem a ver com a obra de Brazão Filho. O livro é ilustrado por Arlindo Vicente (Troviscal, 1906-Lisboa, 1977) reconhecido opositor do Estado Novo e brilhante advogado de presos políticos. Candidato à presidência da República pela Frente Democrática Nacional em 1958, desistiu a favor de Humberto Delgado. Preso pela PIDE em 1961, acusado de atos subversivos, esteve preso 20 meses e inibido durante cinco anos dos seus direitos políticos. Como autodidata, Vicente  manteve intermitente atividade como ilustrador e artista plástico e foi destacado organizador das Exposições Gerais de Artes Plásticas, as EGAP’s. Ilustrou jornais e revistas como O Diabo, A ÉpocaVértice, Labor e Eva. As nove ilustrações impressas a sépia e em extratexto de Maria do Mar não revelavam as convições que nortearam a vida de Vicente como artista e ativista político, antes a influência dos seus primeiros trabalhos como cartoonista e diretor artístico do quinzenário de caricatura Pena, Lápis e Veneno. As fisionomias paródicas, o requintado decorativismo dos cenários domésticos e o dramatismo operático das cenas exteriores acentuam a mise en scène do texto, que sem o assumir, é uma peça de teatro, caminhando irremediavelmente para um desenlace fatal, onde o Mar, personagem maior da trama, reclamará cruel tributo.

Maria do Mar

Maria do Mar [Maria of the Sea] is the story of the hopeless love of a fisherman from Nazaré and a woman with a terrible secret.  Eduardo Brazão Filho’s book, which came out in 1928, brings to the fore the contrast in the rough nature of people of the sea, who are sometimes generous and sometimes mean-spirited, and the civilized spirituality of a person who really doesn’t belong or fit anywhere.  Maria do Mar is not quite a neo-realist critique seeing that impetuous passions and self-sacrifices in the story reflect the dark, brooding kind of literature of the time and that what drives the story is not recurring descriptions of the terrible conditions that fishermen had to endure.  Maria do Mar is among the first books that show the fascination fishing communities exercised over intellectual elites in Salazar’s regime as well as its opponents.  This is exemplified and crystallised in Alves Redol’s neo-realist writing, for instance, or in the regime’s epic films such as Ala Arriba directed by Leitão de Barros.  Maria do Mar is illustrated by Arlindo Vicente (Troviscal, 1906 – Lisbon, 1977), a well-known opponent of the regime and a brilliant defence lawyer of political prisoners.  In 1958, he was the National Democratic Front candidate at the Portuguese presidential elections before stepping aside in favour of Humberto Delgado.  Arrested by PIDE (the regime’s state defence police) on the charge of subversive activities, he was imprisoned for 20 months and stripped of all political rights for 5 years. A self-taught illustrator and artist, Vicente only worked intermittently as an illustrator, and was an outstanding organiser of EGAP exhibitions (Exposições Gerais de Artes Plásticas included artists who opposed the regime).  However, he did illustrations for newspapers and magazines such as O DiaboA ÉpocaVérticeLabor and Eva. The 9 extra text sepia illustrations in Maria do Mar don’t show to what extent Vicente’s life was guided by his convictions as an artist and political activist. They show instead the influence of the first work he did as a cartoonist and artistic editor of the fortnightly caricature magazine Pena, Lápis e Veneno. Slightly caricaturised faces, painstakingly ornamented home settings and the operatic drama of outdoor scenes accentuate the mise en scène of the story.  This book is essentially more of a theatrical play and it heads inevitably towards a fatal end in which the sea, the main protagonist, demands a ruthless tribute. 

As ilustrações foram restauradas digitalmente The illustrations were digitally restored

Fontes Sources

Um tempo e um lugar – dos anos quarenta aos anos sessenta – dez exposições gerais de artes plásticas, catálogo, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, 2005

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