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histórias da ilustração portuguesa

Meninas, vamos ao vira

Infatigável viajante, buscando pelo mundo aquilo que o regime ditatorial do seu país não permitiu, Piló (Manuel Piló, Lisboa 1905-1988) viveu na Argentina, nos Estados Unidos e por duas vezes no Brasil, nas décadas de 40 e 60. A sua obra mais reconhecida são duas séries de postais glosando costumes regionais portugueses e romarias tradicionais, cuja datação imprecisa as situa em meados dos anos 30. A eternidade destas ilustrações realizadas na técnica de pouchoir (stencil) que Piló trouxera de Paris, radica numa justa síntese gráfica e cromática e pelas inúmeras e persistentes imitações piratas em suportes variados, como o lenço de mão apresentado. Ou em aplicações legítimas, copos e jarros dos anos 50 ou chávenas de chá de uma edição de 2006 da empresa Vista Alegre.

Designer e publicitário, a sua obra gráfica é uma réplica do construtivismo das suas figuras populares. Piló viveu essencialmente para os seus apreciados bonecos articulados de madeira, pintados em cores vivas, versões tridimensionais dos célebres postais. Esta curiosa exaltação do mundo rural português, a que poderíamos chamar, sem ironia, artesanato urbano, foi praticada também por outros ilustradores modernistas. Pela mesma época, Thomaz de Mello (TOM) fazia os seus bonecos em madeira, em composições mais estáticas, e Júlio criava os seus primorosos bonecos em pano. Mas as figuras de Piló, em papel ou madeira têm uma qualidade notável para além do seu minimalismo gráfico. São de uma contagiante alegria e comicidade, braços e pernas dos bailadores descrevendo amplos arcos e mulheres de saia comprida que parecem um sempre-em-pé.

Piló parte para o Brasil pela primeira vez em 1945. Instalado no Rio de Janeiro, baseou-se no riquíssimo folclore brasileiro e latino-americano, continuando a pintar e esculpir em madeira. O magazine português O Século Ilustrado de 11 de Janeiro de 1947 reporta o sucesso de uma Exposição de Motivos Brasileiros realizada na Associação Brasileira de Imprensa, provavelmente no ano anterior. Tornou-se um personagem popular no Rio e foi aclamado pela imprensa carioca como o “grande escultor do folclorismo internacional”. Teve honras de um documentário que chegou a passar no lisboeta cinema Politeama, mas a fita perdeu-se, destruída pelo fogo. Fica-nos desse tempo de consagração um saboroso livro da editora Melhoramentos de São Paulo, datado de 1947, onde o artista fixa no tradicional díptico de cores e preto e branco para colorir uma galeria de figuras típicas, do gaúcho das pampas argentinas ao escocês da gaita de foles. O livro oferecia sugestões para quadros de feltro, almofadas e adaptações para motivos em ponto de cruz.

Criada entre as duas guerras mundiais por artistas europeus e americanos, a escultura em papel estava no caminho de Piló. Afinal, trata-se da planificação de cilindros, cones e paralelipípedos, gramática fundamental dos seus bonecos de madeira. Após a sua segunda estadia no Brasil, criou as Histórias do Tempo Esquecido, cadernos agrafados de 8 páginas em papel de boa gramagem com bonecos de armar. Uma extraordinária síntese editorial regulava estes curiosos livrinhos. Uma página para o texto da história, outra para instruções de montagem e duas com a planificação em peças recortáveis do personagem principal da historinha, impressas a 5 cores, quadricromia e ouro, prometiam divertimento e pedagogia, com o trabalho manual a impulsionar a reflexão e o poder inventivo da criança, como defendia Piló em sintético editorial na página dois. Na Colecção Éber, do Centro do Livro Brasileiro, de 1970,  a fórmula mantém-se. Éber, o contador de Histórias, repete as histórias contadas pelos marinheiros no regresso das suas longas viagens, em álbuns-carteira com folhas soltas para recortar e montar.

Português das sete partidas, Piló moldou um verdadeiro Esperanto gráfico capaz de universalizar todos os regionalismos do mundo.

Fontes

As informações biográficas e a coleção Histórias do Tempo Esquecido foram amavelmente cedidas por Edgard Piló 

Com tinta e pincel n.º 5, Coleção Manoel Piló, Edições Melhoramentos, São Paulo, 1947

Século Ilustrado 471, 11 de Janeiro de 1947

Histórias do Tempo Esquecido: 1. Uru, o mágico; 2. Omar, o tocador de lira; 3. Liur, o rei que falava muito alto; 4. Yan, o salteador. Manuel Piló, Mário Forra, editor, Lisboa, sem data.

Éber, o contador de histórias, Manuel Piló, Centro do Livro Brasileiro, 1970

As ilustrações dos postais e do livro de colorir foram restauradas digitalmente

Filed under: Costumes Portugueses, Piló, ,

9 Responses

  1. bruno diz:

    boa noite!
    agradecia um contacto seu de forma a trocar umas impressoes consigo.
    obrigado!

    tremido(at)gmail.com

    • Marseeo diz:

      Ola Bruno,

      Gostaria de saber mais informação sobre este raro artista português.
      O Bruno poderia entrar em contacto comigo, se achar por bem?

      Muito agradecido pelo seu tempo.

      Os melhores cumprimentos
      Marseeo

  2. maria manuela perdigão diz:

    Congratulo-me por ter divulgado um artista português tão esquecido. Lembro-me das suas esculturas em madeira que se vendiam na Feira Popular e, apesar de garota, permaneceram na minha memória. Em casa dos meus pais havia duas que desapareceram.
    Obrigada.

  3. lisbeth diz:

    Hola, tengo la gran suerte de tener varias figuras de este artista

  4. Carlos Teixeira diz:

    Tenho alguns desenhos sobre figuras populares brasileiras de Manuel Piló. Desconheço o seu valor actual

    • 633299384 diz:

      si, tengo unas figuras de madera maravillosas, un flamenco, un pirata, un andaluz, un payaso, mexicano, capitan garfio, bailaor, pistolero, malabarista de color, etc.Son todos una maravilla y tan originales, me encantan

  5. Márcio Cardoso diz:

    Saudações.
    Tenho treze postais da séries de postais glosando costumes regionais portugueses e gostaria de coloca-los à venda.
    Caso alguém saiba onde e como avalia-los, peço que entre em contato.
    Atenciosamente;
    Márcio

  6. João Gafeira diz:

    Boa noite

    Há uma coisa relacionada com Piló da Silva – para mim é o Pilo, sem acento, como o meu sogro, seu amigo próximo, se lhe referia – que me causa confusão. Tenho um quadro dele, datado de 57, de que gosto muito e que me parece muito bom, embora a minha opinião esteja longe de ser a de um conhecedor. É um quadro de que gosto muito e que se percebe ter muito “ofício” em cima.
    Assim, o Pilo deve ter pintado e produzido bastantes quadros, aliás, o meu sogro, também publicitário, dizia-o pintor. Porque razão, então, nunca aparece como tal, nem se vê em lado nenhum referência às suas obras?
    Será que alguém pode explicar esta “não existência” do Piló pintor, além da do publicitário, do ilustrador e do criador de bonecos?
    Obrigado
    João Gafeira

    PS: Acho que vou fotografar o quadro e mostrá-lo na net.

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