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histórias da ilustração portuguesa

Linhas cruzadas

João da Câmara Leme (Beira, Moçambique, 1930-Lisboa, 1983) ilustrou alguns dos mais emblemáticos livros para a infância dos anos 60. O apurado instinto do ilustrador permitia grafismos bastante variados, desde a textura lenhosa dos Contos para Crianças, de Jaime Cortesão até às cores planas sem linha da Nau Catrineta, de Alice Gomes. Mas o registo mais interessante talvez seja o dos números 10 e 11 da Colecção Os pequenos Pioneiros da editora Portugália: A Menina e o Elefante, de Alexandre Kuprine; e A Bela e o Monstro, de Leprince de Beaumont, ambos de 1968. Obras de uma extrema delicadeza a que o traço de Câmara Leme emprestava uma terna melancolia, num regresso à linha que seria tendência marcante da ilustração editorial da década seguinte.

As ilustrações são compósitos de figuras planificadas sem recurso a perspetiva e contam a história como uma peça de teatro levada ao palco, onde narração e cenografia são asseguradas por elementos gráficos avulsos mas igualmente expressivos. O contraponto da curiosa mise-en-scène está no desenho laborioso das figuras, onde formas e volumes são trabalhados em bandas de traços paralelos e sentidos opostos. A mesma alternância verifica-se no uso de três a quatro cores directas para além do preto. Este aparente formalismo revela uma espantosa originalidade e liberdade formal e não tem paralelo noutros autores contemporâneos. A apoteose está no famoso Figuras Figuronas, da mesma coleção, datado de 1969. Aos atributos enunciados junta-se agora um contraste cromático mais vincado com a redução a duas cores e uma prodigiosa geometrização das figuras. Bem a propósito para esta deliciosa incursão poética da escritora Maria Alberta Menéres nas matemáticas e geometrias, papão eterno das escolas portuguesas.

A Menina e o Elefante, Colecção Os Pequenos Pioneiros 11, Editora Portugália, 1968

A vida de um cabritinho, conto de A Menina e o Elefante, Colecção Os Pequenos Pioneiros 11, Editora Portugália, 1968

Os saltimbancos, conto de A Menina e o Elefante, Colecção Os Pequenos Pioneiros 11, Editora Portugália, 1968

A Bela e o Monstro, Colecção Os Pequenos Pioneiros 10, Editora Portugália, 1968

A Bela e o Monstro, Colecção Os Pequenos Pioneiros 10, Editora Portugália, 1968

A Bela e o Monstro, Colecção Os Pequenos Pioneiros 10, Editora Portugália, 1968

A Bela e o Monstro, Colecção Os Pequenos Pioneiros 10, Editora Portugália, 1968

1. Triângulo, poema de Figuras Figuronas, Colecção Pequenos Pioneiros, Editora Portugália, 1969

2. Losango, poema de Figuras Figuronas, Colecção Pequenos Pioneiros, Editora Portugália, 1969

3. Circunferência, poema de Figuras Figuronas, Colecção Pequenos Pioneiros, Editora Portugália, 1969

8. Paralelas, poema de Figuras Figuronas, Colecção Pequenos Pioneiros, Editora Portugália, 1969

14. Bissectriz, poema de Figuras Figuronas, Colecção Pequenos Pioneiros, Editora Portugália, 1969

15. Cone, poema de Figuras Figuronas, Colecção Pequenos Pioneiros, Editora Portugália, 1969

As ilustrações de A Menina e o Elefante e A Bela e o Monstro foram restauradas digitalmente

Fontes

Maria Alberta Menéres e a poesia para a infância, de José António Gomes, Revista Malasartes, Janeiro 2010 

João da Câmara Leme, texto de Henrique Cayatte, Livros Alice, 2007 (inédito)

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2 Responses

  1. Gisela MIravent diz:

    Uma verdadeira delícia, estas ilustrações. Não conhecia. É espantoso como são expressivas e “bondosas”. Neste mundo de João da Câmara Leme apetece ser criança. Uma beleza.

  2. AM diz:

    Nunca vi coisa tão linda! Obrigada pela investigação!

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