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histórias da ilustração portuguesa

As fitas do Bernardo

Quatro ilustrações num tosco chiaroscuro ilustram a crónica «Os que não passam de figurantes» subtitulada ainda como «reportagem sentimental». Entre o cínico e o terno, o texto do autor evoca os sonhos e as frustrações da chusma anónima que ciranda no plateau à volta das estrelas. José Gomes Ferreira, redator principal da novel revista Imagem, faz contraponto, logo na entrada do primeiro número, em 10 de maio de 1930, à interminável galeria de retratos das glamourosas divas das fitas americanas e europeias que saturam a capa e o miolo do magazine. As ilustrações, de sabor clownesco, pertencem a Bernardo Marques (Silves, 1899-Lisboa, 1962). 

Sem a acidez cómica de Jorge Barradas ou a morbidez de António Soares, Marques, benévolo cronista das gentes que sobem e descem o Chiado, será desafiado para cronicar graficamente os alvores de uma sedutora indústria que irá alimentar dezenas de revistas especializadas, no fecho dos vintes e ao longo da década seguinte. Ilustrações suas andarão pela Imagem (também na primeira série, de 1928), Kino e Girassol, só para nomear o filão cinéfilo. Com a companhia intermitente dos «bonecos» de Olavo D’Eça Leal, Carlos Botelho, Carlos Rocha e Paulo Ferreira, Bernardo Marques, volta no número 12 e retoma a liderança ilustrada na segunda série da revista, com presença assídua ao longo dos três primeiros anos, em artigos avulsos, colagens fotográficas e rubricas permanentes. Uma delas, «O Jornal de Actualidades», glosando a escrita de um roteiro fílmico, será um parente cinéfilo dos célebres «Ecos da Semana» do comparsa Botelho. Nem o rato Mickey escapará ao lápis de Marques.

Longe ficarão, lá pelos princípios dos vinte, os seus maneirismos gráficos à maneira do alemão Simplicissimus ou da vienense Secession. O traço dominante nos desenhos da Imagem aproxima-se da sua produção dos anos finais de vinte, de linhas angulosas e sombras de traço cruzado, registo rápido mas certeiro para fixar a avidez citadina pelas fitas dos grandes estúdios americanos e europeus. Marques capricha regularmente na cascata de cenas e personagens, género em que é exímio e evita, deliberadamente, a influência cáustica de Grosz que traz da sua peregrinação de 1929 por Berlim. A clientela lisboeta das fitas, burguesa ou popular, será poupada nas páginas da Imagem.

Apesar da incipiente indústria cinematográfica nacional, a imprensa especializada estreara cedo, em 1917, com a Cine Revista. Confirmando a perda de influência dos palcos do teatro, somam-se vagas de revistas e jornais dedicados à sétima arte, chegando ao cúmulo de uma Crónica Cinematográfica de efémera edição diária. Imitando os magazines cosmopolitas e o seu design tipográfico modernista, raras serão as revistas de cinema que, sem abdicar da opulência fotográfica alimentada pelos estúdios de cinema, concederão papel relevante à ilustração editorial, estabelecendo uma complementar relação entre duas artes de artifício visual. Imagem, dirigida pelo faz-tudo Chianca de Garcia e pelo redator principal José Gomes Ferreira, o futuro escritor e poeta, terá justa reputação pela impecável impressão em rotogravura, apurada colaboração escrita, e as suas causas e campanhas em prol do cinema luso, como a criação de um estúdio nacional.

No cauteloso editorial do primeiro número, Imagem vai repartir salomonicamente incentivos pelo mudo e pelo sonoro, mas acabará por tomar partido por este último, numa questão fraturante que faz correr rios de tinta na imprensa cinematográfica da época. Após 5 anos de publicação quinzenal e trimensal, Imagem tem o seu «The End» ao número 124, a 15 de Agosto de 1935. A colaboração de Bernardo Marques vai rareando até se finar na ilustração de um sucesso estrondoso da RKO, um grotesco macacão de 15 metros chamado… King Kong. 

«Cinco cartas que se completam. Os cinemas de província revelados por provincianos», Imagem, n.º 12, 10 de outubro de 1932

«Se Leitão de Barros realizasse  A Varanda dos Rouxinois…», Álvaro Gomes, Imagem, n.º 35, 27 de agosto de 1931

«As Grandes vedetas dos desenhos animados: o rato Mickey, o gato Felix e o coelho Oswaldo», Fernanda, Imagem, n.º 40, 1 de novembro de 1941 

«O sonho de 1932», Álvaro Gomes, Imagem, n.º 46, 1 de janeiro de 1932

«A Imagem-Filme apresenta O Jornal de Actualidades N.º 2», Caçador de Imagens, Imagem, n.º 55, 4 abril 1932

«A Imagem-Filme apresenta O Jornal de Actualidades N.º 8», Imagem, n.º 61, 4 de junho de 1932

«Os cinemas em que não se fala», Imagem n.º 67, 2 de setembro de 1932

«King-kong! Um macaco de 15 metros de altura que enche de pânico a cidade de Nova York!», Imagem, n.º 96, 5 de janeiro de 1934

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